A candidatura a um segundo mandato por parte do Presidente da República em funções gera, ao nível dos putativos adversários, reacções contraditórias. A possibilidade de derrotar o PR incumbente nunca se concretizou durante a vigência da Constituição de 76. Nessa medida a apresentação de candidaturas por parte do bloco político oposto ao PR em funções limita-se a cumprir calendário, apresentando candidatos com uma natural vocação para perder, desistir à boca das urnas ou, em certas circunstâncias, nem sequer apresentando um candidato oficial, evitando assim a associação à derrota. A circunstância da recandidatura do Presidente em funções, historicamente vencedora, promove a multiplicação de candidatos sem denominação de origem partidária (DOP) ou não provenientes dos partidos tradicionais. A tradição partidária com assento parlamentar foi alargada em 33% do efectivo nas eleições de Outubro do ano passado, um reforço do pluripartidarismo que permite contrariar o unanimismo da recandidatura presidencial. Para combater a falta de escolha associada a um vencedor pré-anunciado surgem candidatos que podem mobilizar um eleitorado fiel (é o caso do PCP) ou que pensam capitalizar o voto de protesto anti-sistema (André Ventura irá juntar-se a Tino de Rãs e outros tradicionais ocupantes deste terreno).
Marcelo, dando de barato a re-eleição, tem dois objectivos: ganhar a Mário Soares (que foi re-eleito com mais de 70% dos votos) e ganhar à abstenção (evitando repetir o drama de Cavaco, re-eleito com uma maior percentagem do que a obtida na primeira eleição mas com menos votos). Com estes objectivos em mente, Marcelo será o primeiro subscritor da candidatura de André Ventura, garantindo assim um mínimo de drama político que evite uma desmobilização dos eleitores e um resultado histórico por parte dos abstencionistas.
Para os mais desmemoriados convirá lembrar que António Costa não chancelou partidariamente nenhuma das candidaturas que à esquerda concorreram com Marcelo em 2016 sendo que uma delas incluía uma militante do PS (Maria de Belém) e que outra (Sampaio da Nóvoa) terá recolhido a maioria dos votos dos apoiantes do PS. As almas caridosas poderão considerar que este comportamento poupou uma derrota ao PS. Já as almas peçonhentas consideram que um maior investimento poderia ter forçado uma segunda volta (Marcelo ganhou com 52%) e que nela Sampaio da Nóvoa (22,8%) teria podido re-editar a vitória de Mário Soares em 1986, federando a esquerda (Marisa Matias, 12,1%, Maria de Belém, 4,2%, Edgar Silva, 3,9%). Recordem-se os limites da realidade: Marcelo não teve um discurso divisivo como Freitas em 86 e Sampaio da Nóvoa, entretanto oportunamente exportado para a Embaixada de Portugal junto da UNESCO, não era Soares. De caminho a federação da esquerda falhara em 2006 contra Cavaco, por 0,64% é certo, mas legou acrimónia à escolha do agente federador (Alegre, Soares, Jerónimo, Louçã, Garcia Pereira).
O segundo mandato do PR corresponde a um “soltar da franga política”. Não havendo possibilidade de terceiro mandato sucessivo, o PR recupera uma liberdade que tem feito dos re-eleitos inquilinos do palácio de Belém um centro activo de oposição ao Governo em funções, oposição mais ostensiva quando não integram a mesma família política. Para poder aproximar-se dos 70,35% dos votos obtidos por Soares, Marcelo precisa do apoio do PS nem que seja na versão “tácita” concedida por Cavaco em 1991. A geringonça presidencial tem funcionado no I mandato do actual PR. Acontecer-lhe-á no segundo mandato o mesmo que à geringonça parlamentar?
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990