Pode chamar-se saudosismo, nostalgia ou, simplesmente, uma maneira diferente de viver. A verdade é que aquilo que se usava no século passado é cada vez mais procurado, especialmente por jovens que querem ter nas suas mãos peças únicas que contam histórias ou por pessoas mais velhas que querem voltar a segurar um pedaço daquela vida que tiveram um dia. Fotografia analógica, roupa com mais de trinta ou quarenta anos, peças de decoração estilo ‘casa da avó’ ou discos de vinil – tudo o que esteve na moda voltou nos últimos anos a ganhar força e já conquistou o seu espaço no mercado. E no caso da roupa, por exemplo, para lá do gosto pelo antigo, as questões ambientais têm um papel muito importante.
Um sofá para prender o tempo e uma ampulheta para não perder a noção dele. É isto que se encontra quando se entra na Vintage Dream Cameras, no Lx Factory, em Lisboa. Aqui, as máquinas fotográficas analógicas multiplicam-se e recua-se até ao tempo em que não havia telemóvel. Diana Marques, a criadora do espaço, conta que “há uma camada muito jovem que quer aprender sobre as máquinas”. “Isso é muito interessante, porque mantém viva a esperança de que a máquina analógica vai perdurar no tempo”, considera.
Há milhares de histórias à volta de uma máquina e, além dos jovens, “há os saudosistas, que são aqueles que procuram a primeira máquina fotográfica que tiveram, ou a máquina do pai ou do avô”, diz Diana. Além disso, independentemente da idade, há outra razão que puxa as pessoas para o analógico, num tempo em que uma fotografia está à distância de um telemóvel e se podem tirar dezenas até encontrar a perfeita: É a magia da experiência. “Pensar na máquina, pensar no rolo, na objectiva, colocar o rolo, avançar o rolo, sentir a mecânica toda a funcionar – é uma sensação que não se tem no meio digital”, explica Diana, que confessa utilizar o telemóvel apenas para registar imagens, não para tirar fotografias.
Desde as máquinas analógicas em forma de caixa dos anos 30 e 40, passando pelas décadas de 60 e 70, na Vintage Dream Cameras encontram-se sobretudo histórias, que quem compra faz sempre questão de saber. Por exemplo, a Nikon F é um modelo de referência do século passado porque foi utilizada durante a guerra do Vietname. “Mais do que o objeto em si, muitas vezes é a história que ele carrega”, diz a responsável pela loja.
A versão autêntica da moda
Se uma máquina analógica é um clique de memória, a roupa não lhe fica nada atrás. As peças contam histórias, e hoje, mais do que nunca, há questões que se sobrepõem ao simples vestir de uma camisola. O impacto ambiental é importante, assim como a forma como são feitas as peças. E é também por isso que as lojas de roupa em segunda mão têm cada vez mais adeptos. Beatriz estudou moda, trabalha numa loja de roupa em segunda mão perto do Rossio e há um ano que não compra roupa em lojas de fast fashion. “A indústria da moda é das mais poluentes do mundo, já para não falar das crianças e mulheres que fazem as roupas e das condições de trabalho”, diz Beatriz, acrescentando que “há cada vez mais pessoas preocupadas com a parte ambiental e, por isso, procuram alternativas à roupa nova”.
Por Lisboa, multiplicam-se este tipo de lojas. Camisas, camisolas de lã, roupa desportiva, calças de ganga e até vestidos para uma festa, ou calçado. Tudo o que se encontra por lá já foi de alguém, mas há também peças que nunca foram usadas. Há roupa de marca e um fantasma que persegue este negócio: o estigma da segunda mão. “Há pessoas que entram, perguntam se é em segunda mão e, quando percebem que é, vão logo embora”, diz Beatriz.
O mesmo acontece na Retro City, junto à avenida Almirante Reis. Enquanto Ágata engoma as camisas que vão ficando amarrotadas, Estella, a dona da loja, conta que ainda há muitas pessoas que não percebem o conceito de que a moda é um ciclo e que a inspiração das novas coleções parte daquilo que já foi criado. O que existe nestas lojas é a versão autêntica da moda, “roupa única, com melhor qualidade, em que a única diferença é que já pertenceu a alguém, só que as pessoas ainda têm a cabeça muito fechada nesse sentido”, diz Estella.
Estella conta ainda que há cada vez mais portugueses a comprar em lojas vintage, mas que metade dos seus clientes são estrangeiros que procuram a loja quando viajam. Voltar a vestir o que se usou há trinta ou quarenta anos é uma tendência e estas lojas são também o grito contra a padronização. “Comprar roupa onde todos compram é contribuir para que as pessoas sejam todas iguais”, diz Ágata, que estudou cinema, mas não esconde o entusiasmo de trabalhar neste espaço.
Comprar o que já deitaram fora
Quando o digital começou a dar cartas, houve quem deitasse fora os discos de vinil que tinha em casa por pensar que os objetos tinham perdido valor – como acontece com os móveis, por exemplo. Hoje, essas mesmas pessoas voltam a entrar em lojas de discos para comprar aquilo que um dia rejeitaram. E há também cada vez mais jovens a optar por ter um vinil em casa. Quem o assegura é José Moura, um dos três sócios da loja Flur, em Santa Apolónia, que vende discos de vinil e CD’s. “A questão da moda é óbvia. Desde há uns cinco anos que notamos que vendemos mais vinil por uma questão de moda, porque voltou a estar mais instituído enquanto plataforma de audição de música”, diz José Moura.
E se, na roupa ainda existe o estigma de ser em segunda mão, isso não se aplica aos discos, até porque grande parte das lojas em Lisboa vendem, exclusivamente, discos usados, como é o caso da Carbono, o maior espaço dedicado exclusivamente a este tipo de comércio. “Os discos usados prendem as pessoas pela nostalgia – ou porque ligam a pessoa à sua juventude, a tempos especiais, à primeira namorada”, conta um dos sócios da Flur, que aposta mais em discos novos. Pessoalmente, José Moura compra muitos discos usados, entrando assim “num circuito de reciclagem de discos que são válidos hoje”.
Basta passear pela Feira da Ladra, por exemplo, para encontrar dezenas de discos usados e uma das razões que leva os compradores a optar pela segunda mão é exatamente o preço – os usados são mais baratos, já que um disco novo custa, no mínimo, 25 euros. O preço é, aliás, um dos pontos que quem trabalha no mundo da música faz questão de sublinhar, porque o IVA dos discos é de 23%. “É uma questão que devia ser levantada e devia ser alvo de um debate para definir o que é a cultura e o que é considerado cultura. Porque é que um livro de autoajuda é considerado cultura e tem IVA de 6%, e um disco de música clássica, considerado mais cultural, tem IVA de 23%?”, questiona José Moura.
Velharias da moda
Na rua da Senhora da Glória, na pequena Loja 63, de velharias, antiguidades e vintage, Carlos Conde não deixa que os turistas tirem fotografias ao interior do espaço. “Os chineses vêm à procura dos objetos que os portugueses trouxeram das antigas colónias para depois replicarem”, diz, apontando para as típicas taças vindas de Macau.
Ali, há de tudo. E é tudo antigo – chávenas, santos, pratos, objetos de decoração, malas de viagem, candeeiros e até ferros de engomar. E clientes não faltam: “Tenho cada vez mais clientes e têm aparecido pessoas de todas as idades”, conta Carlos Conde, acrescentando que os clientes querem, cada vez mais, ter peças únicas, com história e com valor. Mas a par das pessoas que procuram antiguidades, há também aquelas que deitam as coisas fora e que são, aliás, o motor do negócio de Carlos.
A procura é tanta que ou no grupo do Facebook ou no site OLX, Carlos Conde acaba por vender as peças mais antigas muito rápido. As velharias já não são objetos sem valor e cada vez mais há quem misture estilos dentro de casa, aliando os objetos vintage com outros mais recentes.
Seja na Loja 63, nos espaços de discos, de roupa ou de máquinas fotográficas, há um ponto comum: o tempo não volta para trás, mas é sempre possível ter um pedaço dele nas mãos.