Aproxima-se um novo ano e as diatribes mediáticas em torno da Justiça e do seu crítico funcionamento parecem, de novo, ir aumentando de tom.
Passado o tempo sempre fugaz das surpresas por algumas iniciativas audazes e o dos elogios à coragem de alguns magistrados por actos, afinal, indeclináveis, regressa-se, irremediavelmente, ao marasmo da espera pela conclusão dos processos e ao desespero pela ausência de notícias bombásticas capazes de encher os escaparates de títulos chocantes.
Há, todavia, reconheça-se, um problema real de funcionamento da Justiça no seio das nossas democracias que importa analisar, tanto do ponto de vista da sua raiz mais funda, como no das suas consequências práticas e mais comezinhas.
De um lado, a questão mais relevante da contraposição de um tempo já extemporâneo, mas ainda assim inerente à legitimidade argumentativa da Justiça, ante a lógica sempre mais plebiscitária e rápida da actual decisão política.
A comparação inevitável destas duas legitimidades, interferida, pela lógica voraz dos media e das redes sociais actuais, tende, naturalmente, a desconsiderar o já de si entorpecido processo de decisão da Justiça, confrontando-a, drasticamente, também, com a percepção pública do seu anacrónico funcionamento.
De outro lado, a perplexidade de tal anacronismo revela-se, já, também, no interior da própria Justiça, que, enredada, por vezes, numa busca urgente de soluções imediatas, cai, frequentemente, em propostas de pura sobrevivência aparelhística, contribuindo, assim, para obviar à descoberta de respostas aptas a, pelo menos, obstarem ao crescente bloqueio da percepção pública da sua racionalidade específica.
A única resposta que, sistemática e profusamente, tem sido encontrada e sugerida é, nesse sentido, a da necessidade do aumento de quadros das magistraturas.
AÍ se situa a explicação constante para os já assumidos tempos inaceitáveis dos processos, ou para a falta de especialização capaz de os acelerar.
Sucede que tal resposta – mesmo que de momento inevitável – se tem revelado, dada a desmesura das necessidades, nunca totalmente alcançável e, por isso, continuadamente frustrante.
Não tendo sido procuradas e encontradas outras respostas que assegurem, externa, mas também internamente, algum acréscimo visível de eficiência e qualidade – portanto de legitimidade -, o que se aprofunda é um estado depressivo, que vai erodindo o poder social da decisão judicial e o papel que à Justiça deve caber numa sociedade democrática e num Estado de Direito.
Talvez que seja, pois, chegada a hora de alterar tal estratégia e de incumbir cada uma das magistraturas de fazer uma reflexão conscienciosa sobre o que tem conseguido fazer, o que, nas circunstâncias actuais, pode e, de facto, deve fazer e – não menos importante – como o deve fazer.
Tal reflexão, mesmo quando interna, tem, todavia, de ultrapassar o puro plano técnico e, interpelando, a sociedade deve, por isso, funcionar, não como um processo de justificação própria mas, sobretudo, como uma luz capaz de iluminar um pouco mais o poder político nas escolhas complexas que este tem inevitavelmente de fazer.
Sem uma revisão crítica, descomplexada e nunca aparelhística das tarefas verdadeiramente essenciais que cada magistratura deve, em rigor, assegurar, corre-se o risco de cair num processo infrutífero da sua
massificação continuada que – à semelhança do que acontece já hoje com a advocacia – longe de assegurar aos cidadãos uma resposta qualificada aos seus problemas, antes contribuirá para crescente deslegitimação da Justiça.
Só assim, descartando tarefas hoje já dispensáveis, as funções constitucionais das magistraturas, que – essas sim – devem ser salvaguardadas, podem contribuir, verdadeiramente, para o reforço da Justiça e o progresso social.