Brasil. Máquinas fotográficas pelo ar na tarde do Galinho e do peixinho

Brasil. Máquinas fotográficas pelo ar na tarde do Galinho e do peixinho


Flamengo-Santos: o próximo jogo entre ambos pode ser um confronto português – Jorge Jesus x Jesualdo Ferreira. Um dos clássicos mais vibrantes de toda a história do futebol brasileiro que mete, pelo meio, a inevitável rivalidade entre Rio de Janeiro e São Paulo.


Está iniciado o caminho para, pela primeira vez na longa e entusiasmante história dos grandes clássicos do futebol brasileiro, termos dois treinadores portugueses frente a frente. Com a chegada de Jesualdo Ferreira ao Santos e a permanência, para já admitida, de Jorge Jesus no Flamengo, o próximo Brasileirão será lusitano como nenhum outro.
Apesar de se defrontarem desde 1920, a rivalidade entre ambos os clubes não é ferrenha, como acontece com outros emblemas. Prende-se mais com a tradicional cizânia entre as gentes do Rio de Janeiro e São Paulo, os paulistas orgulhosos da sua capacidade trabalhadora desprezando o gosto pela praia e pela boa vida dos cariocas, os cariocas sempre dispostos, de calção no calçadão, a olhar para o terno de um paulista e chamá-lo de aporrinhador nato.

Mas houve jogos fervilhantes entre Flamengo e Santos, disso ninguém tem dúvidas. E calha a propósito, nestes dias, recordar um em especial, o de 1983, que decidiu o título brasileiro, embora também pudéssemos ter escolhido o Santos, 4 – Flamengo, 5 (2011), o Santos, 4 – Flamengo, 3 (1993) ou o Flamengo, 1 – Santos, 7 (1961).

O jogo do Maracanã de 29 de Maio de 1983 foi a segunda mão da final do Brasileirão (ainda se decidia dessa forma, e assim foi até 2002), e os cariocas traziam de Vila Belmiro uma derrota apesar de tudo prometedora: 1-2. Daí se explica a maior enchente de sempre em encontros para o campeonato do Brasil: 155.523 pagantes a somar à habitual cega-rega de penetras e borlistas. Do quilé, como gostava de dizer o Fernando Assis Pacheco.

 

Grandes nomes!

Um ano antes, o Brasil apresentara em Espanha, durante o Mundial, um futebol de qualidade espantosa, só ao nível do que fizera em 1970. Não chegou para ser campeão do mundo, por causa da Itália de Paulo Rossi, mas serviu para que nunca mais nos esquecêssemos de nomes com Falcão, Zico, Sócrates, Junior, Éder ou Paulo Isidoro. Pois, sobre a relva do Estádio Mário Filho, estiveram várias figuras dessa aventura espanhola: Zico, Júnior e Leandro, do lado do Flamengo; Paulo Isidoro e Serginho, do lado do Santos.

Foi uma festa e, igualmente, uma despedida. Arthur Nunes Coimbra, o Zico, figura maior de toda a existência do Fla, fazia o seu último jogo com a camisola rubro-negra. Era esperado em Itália, em Udine, para jogar pela Udinese. Um clube demasiado pequeno para ele, mas a verdade é que o “calcio” açambarcava todas as estrelas do universo. E Zico parecia estar com pressa de voar para a Europa, tanto assim que marcou um golo logo no primeiro minuto e deixou os santistas a fazerem contas de cabeça e a necessitarem de reagir.

Aos 39 minutos, Zico outra vez: um livre perto da área do Santos, o Galinho de Quintino, como lhe chamavam, a colocar a bola com uma precisão aritmética na cabeça de Leandro, atrapalhação entre Toninho Carlos e Gilberto Sorriso, dois-a-zero.

Adílio encheu o campo. Tinha uma categoria imensa, uma técnica irrepreensível, um jeito sublime de tratar a bola. Mozer foi superlativo no seu estilo de classe dura que não admitia facilidades. O jovem Bebeto, com apenas 19 anos, teve a oportunidade de entrar em campo para o lugar de Júlio César, que se autodenominava Uri Geller porque, tal como o mágico israelita entortava colheres com o poder da mente, ele entortava adversários com o poder do drible. Junto a Uri, jogava Baltazar, que teve uma passagem muito fugaz pelo Flamengo, mais fugaz ainda do que a que teve no FCPorto em 1990.
O público do Maracanã começou a apepinar o adversário de forma supinamente maçadora. O ambiente escaldou. O problema é que a superioridade carioca era tão grande, tão indiscutível, tão imparável, que não restava aos santistas ou engolirem o desaforo ou irem para casa mais cedo. A esperança no golo que devolveria tudo à primeira forma, manteve-os agarrados às bancadas do Maracanã. E, a um minuto do fim, Adílio pôs um ponto final na réstea de dúvida que ainda existisse. O próprio Adílio contou como foi: “Quando falo desse jogo, me emociono e fico arrepiado. No meu gol, o Robertinho pegou a bola e deu aquele tapa nela pro fundo. Aí pensei: ‘vou nessa’. O Zico puxou dois zagueiros na primeira trave e eu entrei de peixinho. Agradeço até hoje ao Robertinho pelo cruzamento perfeito. Eu me joguei na bola e, depois que a bola entrou, não vi mais nada. Só queria comemorar, foi muita emoção. Primeiro coisa que fiz foi correr para a galera da geral”.

O Flamengo garantia o título. Os fotógrafos entraram em campo para registar a alegria rubro-negra mas Serginho Chulapa, um avançado calmeirão e meio atrapalhado que ainda esteve noMarítimo, não era bom de assoar. Dirigiu uma sublevação contra a rapaziada da imagem e não tardou a ferver pancadaria, com máquinas fotográficas pelo ar e meio mundo a correr atrás de outro meio.

Paulo César Coelho, o árbitro que apitou a final do Campeonato do Mundo de 1982, teve de pôr ordem no assunto para que a partida terminasse com o mínimo de dignidade. E, então, a festa desceu à rua, espalhou-se pela cidade, e foi desaguar madrugada fora nas praias de Copacabana e do Arpoador.