António Costa gravou nesta quarta-feira a típica mensagem natalícia, já que todos os Primeiros-Ministros fazem questão de a deixar nesta quadra, na recém-inaugurada Unidade de Saúde Familiar (USF) do Areeiro, em Lisboa, para (tentar) demonstrar qual a grande preocupação e maior prioridade do Governo para 2020: A Saúde.
É verdade que, segundo a fé cristã, a noite de Natal representa em grande parte um simbolismo alicerçado na “Esperança”. Talvez tenha sido esse o argumento para António Costa escolher esta data. Claramente imbuído de espírito festivo, o Primeiro-Ministro português quis deixar mais esperança no sapatinho dos portugueses.
No entanto, se olharmos para a última legislatura, podemos ter receio de continuar apenas com esperança de algo que tarda em concretizar-se. Palavras, essas, há. Sempre houve. Foram quatro anos de muita palavra vinda do Governo. De palavra de que acabariam os portugueses sem médico de família. De palavra em como os muitos portugueses em listas de espera, para terem a sua consulta e cirurgia há mais de um ano em standby, seriam solucionados até ao fim do ano. De palavra para a ausência de médicos e profissionais de saúde em várias regiões do país.
Das palavras aos atos reais, hoje são mais de 700 mil os portugueses que continuam sem médico de família atribuído quando desde 2017 ouvimos insistentemente António Costa prometer que acaba com esta situação. Da palavra dada ao que os portugueses sentem, os atos demonstram que hoje temos listas de espera a crescerem quer para consultas como para cirurgias. Das palavras natalícias aos atos anuais, o país assiste à urgência pediátrica do Garcia da Orta fechada por falta de médicos, à Unidade de Saúde de Miranda do Corvo a fechar por falta de administrativos ou ainda a Maternidade do Hospital de Portimão que encerra por falta de médicos pediatras.
Isto são os atos que não acompanham as palavras do “Pai Natal” António Costa.
O Primeiro-ministro salientou na sua mensagem natalícia "a determinação do Governo em reforçar a capacidade de resposta de proximidade do SNS", prometendo ainda, em jeito de prenda de natal, atacar a sua "crónica suborçamentação" sem assumir a grande fatia do bolo que pertence à gestão PS nesta matéria. Todos concordaremos com estas palavras, claro que sim! Mau seria ser contra estas verdades de La Palice.
Mas, diz-se, quem não tem memória, não tem futuro. É bom sabermos também que nos últimos 25 anos tivemos quase 19 anos de governação e gestão socialista. António Costa esqueceu-se de o referir. E quem bem seria começarmos a ter mais honestidade nas palavras e na avaliação de cada problema.
Continuando na mensagem sobre Saúde deixada por António Costa, vamos diretos às perguntas que deveriam ter resposta: Se o Governo anuncia um reforço de 800 milhões de euros para a Saúde em 2020, será este valor suficiente para acabar com a suborçamentação? E os 8.400 novos profissionais chegam para as necessidades do setor?
É aqui que o Governo tem de falar. E, sobretudo, fazer.
Temos um país e um SNS com hospitais a acumularem dívida na ordem de dois milhões de euros por dia. O maior receio que todos devemos ter, sobre os “tais” 800 milhões de euros para a Saúde – previstos no OE de 2020 – é saber se não será essa verba toda para contabilidade pública. Ou seja, se esta verba não é para pagar dívida de 2019 e de anos anteriores.
Sobre estes muitos milhões que agora surgiram no sapatinho e na carta de Natal de António Costa, em números francos, temos um SNS com mais de 500 milhões de euros em défice à data de hoje e, apesar desse défice, não está a conseguir dar resposta nenhuma ao que o país assiste e os portugueses sentem de dificuldades. Será que fica igual com o valor que Centeno&Costa prometeram par 2020?
É isto que é preciso o Primeiro-Ministro, a Ministra da Saúde e o Ministro das Finanças responderem. Sem esperança ou datas simbólicas mas com realismo e determinação.
Respostas para a Saúde e um caminho para inverter esta tendência negativa do SNS. Sem politiquês. Sem demagogia. Sem números que não representam nada para a vida das pessoas. Sem cegueira ideológica.
Por falar em cegueira ideológica, até calha bem, visto que bate a mensagem natalícia numa altura em que há uma espécie de silêncio ensurdecedor de algumas franjas políticas sobre um caso real: O Hospital de Vila Franca de Xira, gerido em regime de Parceria Público-Privada (PPP), permitiu ao Estado uma poupança estimada de 30 milhões de euros entre 2013 e 2017 face aos custos estimados na gestão pública. Sim, é segundo o relatório de auditoria do Tribunal de Contas à execução do Contrato de Gestão e não segundo uma batuta ideológica qualquer de direita.
A Saúde precisa destes exemplos de qualidade e rigor na gestão mas também mantém carência de critério e acréscimo de valor na prestação de cuidados de saúde.
E, aliado a estes pilares que tardam em surgir das cinzas, era essa a mensagem que António Costa deveria ter dado ao País. Uma mensagem real. Uma mensagem com respostas porque falar de “Saúde” é sempre bom e aconselhável nesta altura de Natal… ou não desejássemos todos nós, inclusive, “umas boas festas com saúde e paz” nesta atura do ano.
Copiando o Senhor Primeiro-Ministro, votos a todos de boa continuação de época festiva e que seja um 2020 com muita e melhor saúde a todos os níveis.
Carlos Gouveia Martins