As mortes maternas aumentaram em 2018 mas a evolução não é tão negativa como davam a entender dados publicados em novembro pelo Instituto Nacional de Estatística, que mostravam que os casos tinham praticamente duplicado no espaço de um ano. O balanço foi feito esta manhã pela diretora-geral da Saúde numa conferência de imprensa em que foram apresentados os primeiros resultados da análise a cada uma das mortes durante a gravidez, parto e pós-parto (até 42 dias após o nascimento). Os peritos concluíram que os dados dos últimos anos, agora revistos, estavam incompletos. Já no ano passado foram reportados dois casos que não correspondiam na realidade a mortes maternas.
Graça Freitas revelou que a análise dos registos e processos clínicos permitiu concluir que em 2016 e 2017 houve uma subnotificação da mortalidade materna – o que disse ser expectável nestes indicadores – mas que até aqui não tinha sido corrigida. Assim, nestes dois anos registaram-se respetivamente 12 e 11 mortes maternas e não 7 e 9 óbitos.
Já em 2018, ano em que o INE tinha registado 17 mortes, a análise acabou por descartar dois casos em que veio a perceber-se que as mulheres não estavam grávidas, o que baixa o número para 15 óbitos. Segundo Graça Freitas, houve um erro no preenchimento dos certificados de óbito. Isto significa que a mortalidade materna aumentou mas não duplicou de um ano para o outro mas também que as estatísticas do país nos últimos anos têm vindo a mostrar uma taxa de mortalidade mais baixa do que aquela que existe na realidade, o que fará com a posição portuguesa possa piorar nas próximas comparações internacionais. "Todos os países quando melhoram a informação, pioram os seus resultados", declarou Graça Freitas. "A subnotificação ocorre não nos casos de mortes no parto mas nos casos de mulheres que morrem numa altura mais precoce da gravidez, às 12, 14 e 16 semanas de gestação, e é por isso que hoje, tendo sistemas informáticos que não existiam, conseguimos encontrar casos que no passado não eram registados. Não somos o único país a fazer esta correção de dados e com estes dados continuamos perto da média da OCDE".
Mulheres mais velhas e gravidezes de risco
Para já, os dados disponíveis permitiram identificar dois padrões nas mortes maternas nos últimos dois anos, indicou Graça Freitas. Por um lado, verificaram-se mortes de mulheres mais velhas, que engravidaram após os 35 anos, sobretudo no pós-parto. Estes casos representaram quase 40% das mortes maternas nos últimos dois anos e se este é um padrão comum noutros países – como o adiamento da idade da gravidez associado a maiores complicações -, um segundo fenómeno merece maior preocupação. Entre os óbitos ocorridos nos últimos dois anos, foram identificadas mortes de mulheres jovens que tinham quadros de doença de base grave, cujas gravidezes eram de alto risco, explicou Graça Freitas.
Sem avançar dados detalhados, remetidos para o relatório final, a diretora-geral da Saúde indicou que entre estes casos havia quadros de tromboembolismo, doentes com hipertensão pulmonar, doença pulmonar obstrutiva crónica grave e doença oncológica. “Teremos de perceber se a comunicação entre os profissionais de saúde e estas mulheres tem estado a fluir, teremos de perceber se estas mulheres têm a perceção dos riscos, se têm literacia suficiente e se estão a receber informação suficiente sobre os riscos que correm quando engravidam”, disse Graça Freitas.
“Este é um fenómeno de novo. Alguma destas mulheres se calhar há alguns anos não chegariam à idade fértil. Chegaram, engravidaram e tiveram precocemente mortalidade. Perante estes dados temos duas preocupações, por lado se existe uma comunicação efetiva do risco e por outro lado se estas mulheres que têm doenças de base graves e que são seguidas por vários médicos assistentes deveriam ou se estarão ou não a ser encaminhadas para consultas pré-concecionais ou de planeamento familiar. No fim, a decisão de engravidar é sempre da mulher, mas são gravidezes de alto de risco que exigem um acompanhamento complexo e temos de garantir que esses cuidados são prestados”, disse ao i Graça Freitas. “São matérias em que queremos perceber o que se está a passar e se é preciso um maior investimento. Isto pode estar acontecer, os registos que temos hoje é que não nos permitem acompanhar todo esse processo.”
Para continuar a estudar o fenómeno, será criada uma comissão permanente de acompanhamento das mortes maternas e os médicos vão ser incentivados a preencher inquéritos epidemiológicos para todos os casos, até aqui facultativos. Graça Freitas anunciou também que vai ser emitida uma norma clínica sobre o acompanhamento de casos de tromboembolismo e que o sistema de registo eletrónico de óbitos passará a emitir alertas para sinalizar precocemente a ocorrência de mortes maternas. Sem revelar os números de óbitos já registados este ano, Graça Freitas indicou que estarão dentro dos números verificados nos últimos anos.
Não foram encontradas falhas na resposta, mas análise não é conclusiva
Com a ressalva de que a informação disponível é a que está registada nos processos clínicos, Graça Freitas disse não terem sido identificadas falhas na resposta dos serviços de saúde, nem no privado nem no SNS, onde foi registada a maioria dos óbitos, mas considerou que é necessário uma análise mais aprofundada.
"Temos dois aspetos importantes, a gravidade do estado clínico e a complexidade dos cuidados necessários e é por isso que vamos criar uma comissão de acompanhamento para perceber se é necessário afinar os cuidados", disse Graça Freitas, adiantando que no imediato não foi encontrado qualquer padrão que permita concluir que uma menor capacidade de resposta nos hospitais possa ter contribuído para algumas destas mortes. "Na informação recolhida pelos colegas que fizeram visitas a todos os hospitais onde estas mortes ocorreram não houve um padrão que permitisse afirmar ou infirmar isso. Não consigo fazer essa afirmação com base em hipóteses. Dos registos e conversas com os profissionais, não foi possível encontrar esse padrão. Temos registos em que está escrito por exemplo que aquela doente foi informada várias vezes dos riscos que corria, mas há outros em que isso é omisso (…) Nestes casos concretos, e nas mulheres que chegaram ao final da gravidez e morreram a seguir, tudo indica que foram bem seguidas e acompanhadas. Não há nada nos processos clínicos que indique mau acompanhamento, mas de futuro, para que não haja dúvidas, é necessário uma análise mais fina e para isso será criada a comissão de acompanhamento."