Obrigar os números a confessar


Serve o mecanismo para prever investimentos e afins que, ano após ano, em loop, figuram no papel, mas teimam em não o abandonar.


O Governo, munido de infindável manual de expedientes, corrompe, a exemplo de 2019, a leitura da proposta de Orçamento do Estado para 2020. O esquema, sem paralelo em exercícios prévios – fosse de que partido fosse, pelo menos desde 2005 –, prevê uma autorização de despesa que, por força dos indicadores expressos noutros mapas, nunca virá a ter lugar. Melhor dito, o Governo prevê despesa que já sabe que não pretende nem vai realizar. Ou, se pretender, coisa que a experiência já mostrou não ser assim, irá aumentar o défice proposto. Serve este mecanismo, está bem de entender, para prever investimentos e afins que, ano após ano, em loop, figuram no papel, mas teimam em não o abandonar. Acodem-se preocupações a que nunca se dará resposta. A que a livre escolha política pode não dar resposta, o que não pode é fingir que dá resposta. É esta a “ fraude democrática”. No fim de contas, apenas mais um engenhoso mecanismo para projetar a mensagem de que todas as vontades podem ser atendidas, a exemplo do que se verifica com a fórmula que dominou a vida pública nos últimos anos: o pretenso fim da austeridade.

Por exemplo, para o conjunto da administração central, a previsão orçamental é de um aumento da despesa de investimento em 2019 de 48,4% e, volvidos nove meses do ano para os quais estão disponível resultados – os três primeiros trimestres –, o aumento cifrou-se em apenas 2,4%. Em igual período do ano passado (setembro de 2018), já de si bastante mau em termos de execução do investimento público, o crescimento registado foi de 9,9%, valor essencialmente idêntico ao que viria a registar-se para o conjunto do ano. O panorama de execução da despesa de investimento público orçamentada da competência do poder central é, portanto, neste momento, muitíssimo pior do que em 2018. Os reflexos disso em setores como a saúde estão à vista. O investimento em saúde deveria estar a aumentar 130% – está a crescer 14%. O desvio negativo é de 117 pontos percentuais. Tal desvio corresponde a uma não execução de investimento público orçamentado estimada em 95 milhões de euros. É natural que a não execução de verbas tão significativas de investimento orçamentado se traduza em carências gritantes no sistema. Na administração central no seu conjunto, até setembro não foi executada despesa de investimento público orçamentada no valor de 750 milhões de euros.

Percebem agora?

Votos de Feliz Natal.

Deputado