De novo, o inverno


Entre esta e as últimas cheias, pouco ou nada se acrescentou de iniciativa do Estado à regularização de mananciais ribeirinhos.


Destes dias de muita chuva, vento, inundações e agitação marítima fica a prova de que há alterações climáticas como nunca houve ou, simplesmente, estamos de novo no inverno?

Ou ainda, esta chuva a potes centra a questão do embuste e falência de previsões de seca por alterações climáticas, tal como a falência de alguns bancos, ou apenas continua a servir de suplemento estatal discursivo para manter a “nova ideologia” ambiental de justificação da extorsão fiscal do consumo, seja sobre a fatura dos combustíveis, seja da energia ou da própria água?

E quando vier a próxima seca? Será pelo verão ou pela alteração climática em voga?

Enquanto o Governo e o ministro do setor, autoungido de poderes clarividentes sobre a carbonização – que não se vê, como se estão a ver os efeitos de uma tempestade rotineira -, não garantirem que finalmente dominam o clima, o que as imagens trazem e reportam com nitidez é que, entre esta e as últimas cheias, pouco ou nada se acrescentou de iniciativa do Estado à regularização de mananciais ribeirinhos com caráter excecional e repetição cíclica. 

As águas saltaram as margens, como se a natureza quisesse lembrar que, se o faz em exagero, é porque não há margens físicas erguidas e cuidadas pelo homem que mitiguem os efeitos.

As barragens, na sua grande parte mandadas construir antes de 1974, ajudaram por estes dias a controlar as consequências, ao mesmo tempo que questionam as que falta construir e que ajudam a perceber os paradoxos nacionais, no domínio das infraestruturas, das políticas ambientais e dos custos, de um país não ter rumo quanto a definição de políticas em áreas essenciais a médio prazo.

Há sistemas montanhosos, como o da Estrela, claramente em subaproveitamento da água que escorre pela montanha e, no resto do país, não há planeamento sobre quantas barragens estão previstas para construção para os próximos dez anos.

Aliás, em Portugal, uma simples mini-hídrica é uma epopeia que põe à prova nervos de aço de um investidor, ou leva à desistência breve…

É muito provável que facilmente se somem entre oito e 11 anos necessários para o Estado licenciar uma simples barragem/mini-hídrica, sendo os “donos do parecer” muitos e alargados à administração pública, cada qual com a sua capela.

INAG – Instituto da Água, IPA – Instituto Português de Arqueologia, ICNF/PNSE – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, Comissão de Coordenação Regional, Autoridade Florestal Nacional, Instituto de Estradas de Portugal, Administrações Regionais de Hidráulica, APA – Agência Portuguesa do Ambiente, AIA (avaliação de impacte ambiental), DIA (declaração de impacte ambiental), seguindo-se o Tribunal de Contas e, tantas das vezes ainda, estudos de sustentabilidade económica ou financeira.

Tudo isto num quadro em que se observa, por estes dias, tanta água doce saltando as margens, ao mesmo tempo que o país tem uma grande percentagem da população de cidades e aldeias de Portugal, ainda hoje, a beber água sem qualidade proveniente de furos, minas e tanques, e não proveniente de barragens.

Só como referência por amostragem de iniquidades ambientais no domínio da água, vale a pena referir que há pouco tempo existiam 5878 captações de água subterrânea responsáveis por abastecer 32% do volume de água potável consumida em Portugal continental (ERSAR 2017) e que muitos pontos de água poluída coincidem com pontos de abastecimento público. 

Por outro lado, ainda há três anos e segundo dados da ERSAR, entidade reguladora do setor, apenas 58% da água recolhida foi efetivamente regenerada em sistemas de tratamento – e das 2743 ETAR existentes, apenas 1704 possuíam licença de descarga válida, o que significa que 38% das ETAR funcionam de forma ilegal e que há rios poluídos.

Afinal, estes são os reais problemas do país, que deviam levar ao aproveitamento das fontes de água, armazenando-a, fazendo as obras de regularização de leitos dos rios, cuidando da prevenção, e não centrando as políticas no etéreo da descarbonização, pelo menos ao ritmo acelerado da aventura irresponsável em curso. 

Estes dias de subida dos leitos de cheia deram para perceber, outrossim, como se tomam em Portugal decisões ambientais: no ano em que os rios extravasam os leitos, no Montijo, em espaço de leito de cheia, quer-se construir um aeroporto.

A ausência de credibilidade política tout court e também ambiental está como as cheias: extravasou as margens de segurança.

Jurista

De novo, o inverno


Entre esta e as últimas cheias, pouco ou nada se acrescentou de iniciativa do Estado à regularização de mananciais ribeirinhos.


Destes dias de muita chuva, vento, inundações e agitação marítima fica a prova de que há alterações climáticas como nunca houve ou, simplesmente, estamos de novo no inverno?

Ou ainda, esta chuva a potes centra a questão do embuste e falência de previsões de seca por alterações climáticas, tal como a falência de alguns bancos, ou apenas continua a servir de suplemento estatal discursivo para manter a “nova ideologia” ambiental de justificação da extorsão fiscal do consumo, seja sobre a fatura dos combustíveis, seja da energia ou da própria água?

E quando vier a próxima seca? Será pelo verão ou pela alteração climática em voga?

Enquanto o Governo e o ministro do setor, autoungido de poderes clarividentes sobre a carbonização – que não se vê, como se estão a ver os efeitos de uma tempestade rotineira -, não garantirem que finalmente dominam o clima, o que as imagens trazem e reportam com nitidez é que, entre esta e as últimas cheias, pouco ou nada se acrescentou de iniciativa do Estado à regularização de mananciais ribeirinhos com caráter excecional e repetição cíclica. 

As águas saltaram as margens, como se a natureza quisesse lembrar que, se o faz em exagero, é porque não há margens físicas erguidas e cuidadas pelo homem que mitiguem os efeitos.

As barragens, na sua grande parte mandadas construir antes de 1974, ajudaram por estes dias a controlar as consequências, ao mesmo tempo que questionam as que falta construir e que ajudam a perceber os paradoxos nacionais, no domínio das infraestruturas, das políticas ambientais e dos custos, de um país não ter rumo quanto a definição de políticas em áreas essenciais a médio prazo.

Há sistemas montanhosos, como o da Estrela, claramente em subaproveitamento da água que escorre pela montanha e, no resto do país, não há planeamento sobre quantas barragens estão previstas para construção para os próximos dez anos.

Aliás, em Portugal, uma simples mini-hídrica é uma epopeia que põe à prova nervos de aço de um investidor, ou leva à desistência breve…

É muito provável que facilmente se somem entre oito e 11 anos necessários para o Estado licenciar uma simples barragem/mini-hídrica, sendo os “donos do parecer” muitos e alargados à administração pública, cada qual com a sua capela.

INAG – Instituto da Água, IPA – Instituto Português de Arqueologia, ICNF/PNSE – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, Comissão de Coordenação Regional, Autoridade Florestal Nacional, Instituto de Estradas de Portugal, Administrações Regionais de Hidráulica, APA – Agência Portuguesa do Ambiente, AIA (avaliação de impacte ambiental), DIA (declaração de impacte ambiental), seguindo-se o Tribunal de Contas e, tantas das vezes ainda, estudos de sustentabilidade económica ou financeira.

Tudo isto num quadro em que se observa, por estes dias, tanta água doce saltando as margens, ao mesmo tempo que o país tem uma grande percentagem da população de cidades e aldeias de Portugal, ainda hoje, a beber água sem qualidade proveniente de furos, minas e tanques, e não proveniente de barragens.

Só como referência por amostragem de iniquidades ambientais no domínio da água, vale a pena referir que há pouco tempo existiam 5878 captações de água subterrânea responsáveis por abastecer 32% do volume de água potável consumida em Portugal continental (ERSAR 2017) e que muitos pontos de água poluída coincidem com pontos de abastecimento público. 

Por outro lado, ainda há três anos e segundo dados da ERSAR, entidade reguladora do setor, apenas 58% da água recolhida foi efetivamente regenerada em sistemas de tratamento – e das 2743 ETAR existentes, apenas 1704 possuíam licença de descarga válida, o que significa que 38% das ETAR funcionam de forma ilegal e que há rios poluídos.

Afinal, estes são os reais problemas do país, que deviam levar ao aproveitamento das fontes de água, armazenando-a, fazendo as obras de regularização de leitos dos rios, cuidando da prevenção, e não centrando as políticas no etéreo da descarbonização, pelo menos ao ritmo acelerado da aventura irresponsável em curso. 

Estes dias de subida dos leitos de cheia deram para perceber, outrossim, como se tomam em Portugal decisões ambientais: no ano em que os rios extravasam os leitos, no Montijo, em espaço de leito de cheia, quer-se construir um aeroporto.

A ausência de credibilidade política tout court e também ambiental está como as cheias: extravasou as margens de segurança.

Jurista