Papa toma decisão histórica e acaba com sigilo em casos de abuso sexual

Papa toma decisão histórica e acaba com sigilo em casos de abuso sexual


O segredo pontifício foi criado para proteger informação sensível. Os críticos argumentam que a norma estava a ser usada abusivamente por parte da Igreja.


O Papa Francisco fez história esta terça-feira, dia do seu 83º aniversário, ao anunciar que o “segredo pontifício” não se aplica mais a casos de abuso sexual de menores e de pessoas vulneráveis, por parte dos clérigos. Os documentos processuais, denúncias e testemunhos dos arquivos da Igreja devem, a partir de agora, ser fornecidos às autoridades civis sempre que requeridos.

Os dois documentos emitidos pelo Vaticano universalizam uma prática já existente em alguns países, como os Estados Unidos. Francisco também decidiu alterar a norma relativa ao crime de pornografia infantil, colocando-a como um dos crime mais graves dentro da ordem canónica: “delicta graviora”. Antes, a definição do crime residia na detenção e difusão de imagens pornográficas de menores com 14 anos ou menos. A nova instrução do Sumo Pontífice aumenta a idade para 18 anos.

O comunicado da Vatican News avança que o Papa tomou a decisão de abolir o segredo pontifício sobre denúncias, processos e decisões relativas aos “casos de abuso de menores e de pessoas vulneráveis; casos de pornografia infantil; casos de não denúncia e cobertura dos abusadores por parte de bispos e superiores gerais dos institutos religiosos”, no passado dia 5 de dezembro.

São muitos os casos de abuso sexual que a Igreja Católica encobriu no passado, no que dizia ser um esforço para proteger a identidade das vítimas e a reputação dos acusados. A nova instrução do Vaticano ordena que as “informações” sejam “tratadas de modo a garantir a segurança, a integridade e a confidencialidade” e o “bom nome e privacidade” dos envolvidos. Contudo, este “sigilo profissional”, explica o Vatican News, “não impede o cumprimento das obrigações estabelecidas em todos os lugares pelas leis estatais” e a “execução de pedidos executivos das autoridades judiciais civis”.

Para o teólogo Anselmo Borges, a decisão agora conhecida, que tem o lado simbólico de o anúncio ter sido feito no dia em que Francisco celebrou 83 anos, reforça a determinação do Papa em pôr termo ao encobrimento dos casos de abusos sexuais na Igreja contra menores mas também pessoas com deficiência. Lembrando outras decisões tomadas por Francisco este ano, Anselmo Borges sublinha que hoje existe uma obrigação de denúncia dos casos e de colaboração com a justiça, mas também uma condenação das “ações e omissões” que pudessem bloquear investigações civis e canónicas. “A grande revolução é que agora as autoridades civis poderão ter acesso aos documentos e testemunhos que estão no arquivo do Vaticano e das dioceses”, sublinha. “É uma viragem assumida pelo Papa Francisco que quer que se acabe com esta chaga e se coloca de uma forma determinada ao lado das vítimas e não com a honra da instituição eclesiástica.”

Há muito que a Igreja é pressionada para atuar contra as milhares de acusações de abuso sexual de menores por parte de membros do clero e do seu encobrimento por parte da Igreja Católica, pelo mundo fora. Muitos líderes canónicos apelaram à abolição do segredo pontífice numa cimeira no Vaticano, realizada em fevereiro. O argumento residia, que ao levantar-se essa regra nesses casos, aumentava-se a transparência e a capacidade da polícia e de outras autoridades legais e civis para solicitar dados à Igreja.

O segredo pontifício foi criado para proteger informação sensível, tais como as comunicações entre o Vaticano e as embaixadas papais – um pouco à semelhança do que acontece com os cabos diplomáticos. No entanto, os críticos acusam que a norma estava a ser abusada por alguns funcionários da Igreja para evitar a cooperação com a polícia. O arcesbispo de Malta Charles Scicluna, secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, reconheceu ontem o fim de um impedimento: “Algumas jurisdições teriam facilmente invocado o segredo pontifício para dizer que não podiam e que não estavam autorizadas a compartilhar informações com as autoridades estatais com as vítimas”, disse ao Vatican News. “Agora este impedimento, chamemos-lhe assim, foi suspenso e o segredo pontifício já não é desculpa”.

Com M.F.R.