Rashim Manandhor ainda troca ‘boa noite’ por ‘boa tarde’, Salim Gandharba conhece poucas palavras em português e Laxmi já faz parte de uma associação exclusiva para mulheres nepalesas que vivem em território nacional. Estes jovens deixaram para trás o Nepal, a família e chegaram a Portugal para se entregar a um país sobre o qual pouco ou nada sabiam. Trouxeram os sonhos na mala, alguns ainda lá permanecem, mas a esperança de os realizar deixa-lhes um sorriso na cara sempre que falam da experiência por cá. Segundo os dados mais recentes da base de dados Pordata, nos últimos dez anos, a comunidade nepalesa foi a que mais cresceu em Portugal – em 2008 contavam-se 560 nepaleses com estatuto legal de residente e em 2018 o número era já de 11 487 (21 vezes mais).
Entre Arroios e o Martim Moniz, as lojas nepalesas multiplicam-se, desde restaurantes a mercearias, passando por lojas de roupa. Num dos restaurantes está Salim, um jovem de 25 anos que chegou a Portugal há apenas dois meses. Trabalha com o primo, que lhe disse que aqui havia boas oportunidades, veio sozinho e chegar cá “foi um sonho tornado realidade, porque no Nepal é muito difícil encontrar um emprego”, conta Salim, enquanto atende clientes. Além do bom tempo, que adora e que diz ser mais ameno do que no seu país, Salim faz outra comparação que justifica o facto de querer viver em Portugal: “Se nasceres aqui e gostares de alguma coisa, o futuro acontece. No Nepal não é assim, é difícil arranjar um futuro”. Além disso, conta, em relação aos restantes países da Europa, aqui é muito mais fácil obter o visto de residência. “Demora algum tempo, mas é mais fácil, tenho de trabalhar, pagar os impostos e só depois é que tenho a residência”, conta. Em 2018, existiam em Portugal mais de 470 mil cidadãos estrangeiros com estatuto legal de residente, um número do qual Salim espera fazer parte no futuro.
No Nepal ficou o pai, a mãe e o curso na área dos negócios que não terminou – não fez os exames. Mas em Portugal está a vontade de ser, quem sabe, jogador de futebol. “Temos um grupo no Facebook para jogar futebol às quintas-feiras, já é um começo”, disse.
Agricultura como opção
No verão, o cenário que servia de fundo a Rashim, de 23 anos, era diferente do de hoje. Em Portugal há um ano, esteve dois meses a apanhar framboesas na zona da Zambujeira do Mar, concelho de Odemira, e agora trabalha numa mercearia que se dedica sobretudo à venda de produtos do seu país. Mas nem tanto mudou. Se no verão falava nepalês com os colegas que ganhavam dinheiro na agricultura, ali, na mercearia de Arroios, está também rodeado de nepaleses. E os ‘amigos’ portugueses são só os que vão à mercearia e a quem diz ‘olá’ e ‘adeus’.
“Soube do trabalho na Zambujeira por uns amigos, há muita gente do Nepal a trabalhar lá”, contou Rashim. Em 2018, segundo os dados do Pordata, “pelo menos um em cada quatro residentes são estrangeiros nos municípios de Vila do Bispo, Albufeira, Lagos e Odemira”, onde estava Rashim. Dos cerca de 477 mil estrangeiros com estatuto legal de residência, 50,5% vive na Área Metropolitana de Lisboa e 16,2% na região do Algarve.
Antes de aterrar em Portugal, Rashim esteve um ano em Malta, onde estudou. Depois, como tantos outros nepaleses, viajou até Portugal “pelos papéis e pela experiência”. “Lá tinha um minimercado, um negócio de família, mas quis aprender mais e noutro sítio também”, conta. Este jovem chegou sozinho e teve de aprender, por exemplo, que, por cá, as pessoas não se tratam todas por irmão e irmã.
Língua como barreira
Tal como Rashim e Salim, também Laxmi, uma jovem de 31 anos, reconhece que uma das maiores dificuldades de viver em Portugal é mesmo a língua, que cria barreiras a todos os níveis, quer profissionais, quer sociais. É que, apesar de dominarem a língua inglesa, o português demora o seu tempo a aprender.
Laxmi estudou e trabalhou em Londres, mas obter o visto de residência é muito mais difícil do que em Portugal. “Não vou mentir, quis vir porque quero o papel da residência. Nunca tinha ouvido falar de Portugal, mas o meu irmão disse que era fácil ter os papéis”, contou. Tirou o curso de gestão e, quando chegou, há três anos, tentou trabalhar na área, mas como não falava português não conseguiu.
Entretanto, teve aulas de português e, apesar de os amigos portugueses falarem inglês com ela, orgulha-se de perceber muitas palavras. Laxmi nunca baixou os braços e hoje tem uma loja de vestidos, que ela própria faz à mão. Nepalesas, indianas e até portuguesas entram naquele pequeno espaço mesmo atrás da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos para comprar a roupa mais colorida e dourada das redondezas. Os três anos que passou em Portugal já lhe deram asas para crescer, não só porque abriu a sua loja, mas também porque faz parte de uma associação de mulheres nepalesas. Aliás, “em Portugal é mais fácil ser mulher, ter intervenção”, esclarece Laxmi. Algo que pode explicar o porquê de os dados globais indicarem que, em 2018, das cerca de 43 mil pessoas que entraram no país com intenção de cá permanecer, mais de metade serem mulheres.
Para já, e sem pensar demasiado no futuro, estes três jovens querem ficar em Portugal. Salim Gandharba quer continuar a jogar futebol às quintas-feiras, Rashim Manandhor espera ter mais amigos portugueses e Laxmi aguarda a chegada do marido. “Mas nunca sabemos, é que o nosso país é sempre nosso e claro que queremos sempre voltar um dia”, conta Laxmi. E Rashim completa: “Gostava de voltar, porque o meu país é melhor do que Portugal, é mais bonito”.
E o facto é que ontem ficou também a saber-se que do país onde Salim diz que o futuro acontece saíram mais portugueses em 2018 do que no ano anterior – interrompendo a tendência de decréscimo da emigração que se registava desde 2014.