Fizz. Procurador diz que foi apanhado em esquema para tramar Vicente

Fizz. Procurador diz que foi apanhado em esquema para tramar Vicente


Orlando Figueira lamenta que o deputado do PS Filipe Neto Brandão tenha falado de uma situação que não conhece e desafia-o a explicar por que razão o PS não aprovou a proposta de João Cravinho sobre o enriquecimento ilícito.


No último movimento de magistrados, Orlando Figueira, antigo procurador do departamento de elite do Ministério Público, condenado há um ano por corrupção no processo Fizz (que envolvia também o ex-vice-presidente de Angola), foi colocado na comarca de Ponta Delgada. A situação foi ridicularizada pelo deputado socialista Filipe Neto Brandão – que a classificou como “uma vergonha” e “uma indignidade”. E o antigo procurador já reagiu.

Ao i, Orlando Figueira diz lamentar “esses soundbites de pessoas que não têm conhecimento profundo da situação, que opinam sem saber do que estão a falar, sem terem conhecimento concreto”. E que, “sendo pessoas eleitas democraticamente, não respeitem o princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado”. “É tudo lamentável”, resume.

Além disso, o antigo procurador, que foi condenado a seis anos e oito meses de prisão efetiva, considera ainda que tais reações “só demonstram que as pessoas procuram protagonismo, para agradar, para cavalgar a ideia do combate à corrupção, aderindo ao populismo”.

“Mais valia que esse deputado do PS explicasse porque é que do pacote anticorrupção do eng.o João Cravinho nunca foi posto em prática o tipo de crime de enriquecimento ilícito, porque é que ele não perde o tempo dele a debruçar-se sobre o tipo de crime de enriquecimento ilícito? Dava um contributo muito maior de certeza à democracia do que estar a debruçar-se sobre casos que não conhece”, rematou.

Apesar de colocado no tribunal de execução de penas de Ponta Delgada, Figueira continua suspenso ao abrigo do artigo 152.o do Estatuto do Ministério Público. Foi, por isso, colocado no seu lugar um outro procurador.

Foi a esta colocação que, nos últimos dias, o deputado Filipe Neto Brandão reagiu da seguinte forma: “Portugal é, muito provavelmente, o único país do mundo (confesso que não consegui obter informação relativa à Papuásia-Nova Guiné) onde um procurador condenado judicialmente por corrupção é colocado num tribunal de execução de penas (deve ter sido para fazer a suposta piada melhor, só pode)”.

Otimista com novo inquérito Neste momento, Orlando Figueira tenta que o resto do processo (até trânsito em julgado) tramite na Relação de Lisboa, dado que desde que foi condenado voltou a integrar a magistratura – sendo a Relação a primeira instância para julgar magistrados. Além disso, na sequência de uma queixa-crime que apresentou e de uma certidão extraída pela procuradora de julgamento, foi aberto um novo inquérito no DCIAP com vista a apurar a responsabilidade do banqueiro Carlos Silva e do advogado Daniel Proença de Carvalho – recorde-se que na acusação inicial e no acórdão do tribunal de primeira instância se considerou que o ex-procurador fora corrompido por Manuel Vicente para que lhe arquivasse inquéritos, mas o magistrado tem defendido que quem o contratou foi o também angolano Carlos Silva e que no processo houve intervenção de Proença de Carvalho.

“Sobre o novo inquérito, as minhas expetativas são muito altas, são que se esclareça toda a verdade. E a verdade passa pelo envolvimento do dr. Carlos José da Silva e do dr. Daniel Proença de Carvalho em todo este cenário que me envolve. E esclarecendo-se a verdade, eu tenho a certeza de que serei absolvido”, garante, acrescentando que “há até uma diligência que já foi requerida e que é a de saber a proveniência do dinheiro que alegadamente [o] corrompeu”.

O acórdão refere que a Primagest era uma sociedade-veículo através da qual Manuel Vicente corrompeu o procurador, mas nunca foi apurado quem lá pôs o dinheiro: “Eu requeri ao DCIAP que se veja de onde é que veio o dinheiro da Primagest, quem é que lá pôs o dinheiro, se foi Manuel Vicente ou Carlos Silva. Esta diligência deveria ter sido feita no inquérito que me condenou, é o princípio do follow the money”.

Sobre a eventual repetição do julgamento anterior, que reclama, lembra que a mesma “poderá decorrer de nulidades que foram cometidas durante o julgamento e que foram invocadas em sede de recurso”.

A investigação direcionada e a emboscada a Vicente Segundo Orlando Figueira, a acusação que culminou com a sua condenação – da autoria das procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão – foi “direcionada”. “A esta distância, vejo que houve um jogo político em Angola em que eu apareço como dano colateral. Tentaram emporcalhar o nome do eng.o Manuel Vicente para o impedir de ser o sucessor de José Eduardo dos Santos e, para isso, alguém que sabia que eu tinha sido contratado por Carlos Silva em Angola, que o Carlos Silva me tinha emprestado dinheiro através do seu banco e que eu tinha despachado o processo de Manuel Vicente, utilizou isso não para me tramar a mim, mas para emporcalhar o nome de Manuel Vicente. Eu, aqui, sou um mero dano colateral”, afirma ao i o antigo procurador do DCIAP.

“Acusação direcionada é o termo próprio”, continua, adiantando que na sua opinião “há imensas provas que apontam para outras direções, nomeadamente Carlos Silva, e que não foram seguidas”.

Orlando Figueira quer mais do que uma repetição de julgamento: “Espero que seja repetido, que seja tudo analisado e que uma equipa multidisciplinar de advogados, procuradores e juízes a sério analisem toda a prova e vejam se desde o inquérito até ao julgamento houve comportamentos corretos dos magistrados que intervieram em todas estas fases”.

Reconhece, no entanto, a coragem da procuradora de julgamento, com quem admite ter tido “algumas quezílias durante o julgamento, mas que é uma pessoa que merece bastante respeito”. Orlando Figueira elogia a magistrada por ter extraído uma “certidão para investigar Carlos Silva e Proença de Carvalho” e ter tido “a coragem de escrever que, a vingar a tese do acórdão, há envolvimento do dr. Carlos José da Silva e do dr. Daniel Proença de Carvalho e de quem está à volta, incluindo BPA e BCP”.