Custos da doença mental chegam aos 6,6 mil milhões por ano

Custos da doença mental chegam aos 6,6 mil milhões por ano


Conselho Nacional de Saúde fez uma radiografia da saúde mental no país e concluiu que faltam respostas e prevenção. Recomenda uma estratégia que envolva os vários setores, planeamento de recursos humanos e verbas que evitem a asfixia financeira nesta área.


Quase um em cada dez adolescentes portugueses diz sentir-se triste todos os dias e 5,9% tão tristes que não aguentam, 10% da população sofre de depressão e, em 2017, o suicídio foi responsável por 14 628 anos potenciais de vida perdidos. Na população mais velha, o risco aumenta e surgem as demências – Portugal é o quarto país da OCDE com mais casos. Faltam respostas no sistema de saúde, apoios aos cuidadores e prevenção, da gravidez à velhice.

O diagnóstico é traçado a partir de vários estudos no relatório Sem Mais Tempo a Perder – Saúde Mental em Portugal: um desafio para a próxima década, que esta segunda-feira é apresentado pelo Conselho Nacional de Saúde na Assembleia da República. Os autores alertam que uma estimativa subestimada dos custos com a doença mental no país aponta para 3,7% do PIB – 6,6 mil milhões de euros, repartidos pelas despesas com tratamentos, apoios sociais e absentismo. “Apesar da sua importância central no bem-estar dos indivíduos e impacto transversal na sociedade, não tem sido considerada uma prioridade a nível das políticas de saúde e das comunidades”, lê-se no documento. Quanto ao Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016, prolongado até 2020, ficou aquém das expetativas. “Embora contenha objetivos concretos, o plano não teve o apoio político e os recursos financeiros necessários à sua implementação plena”.

São apresentadas oito recomendações para os próximos três anos, entre as quais a criação de uma estratégia nacional de promoção da saúde mental na população, “intersetorial e ao longo do ciclo de vida”, e o apelo para que sejam asseguradas verbas para cumprir as decisões do Governo nesta área e evitar “que a asfixia financeira impeça a sua concretização”.

Outra recomendação passa por um planeamento dos recursos humanos para a década, eliminando “assimetrias geográficas e escassez de profissionais”. É um dos temas analisados no relatório, que alerta para a concentração de psiquiatras na faixa litoral entre Lisboa e Porto e para o facto de só haver dois especialistas em psiquiatria de infância e da adolescência no Alentejo e apenas um no Algarve. A escassez é ainda maior em psicólogos, terapeutas e técnicos de serviço social, conclui o grupo de trabalho, que considera o elevado consumo de psicofármacos no país, sobretudo ansiolíticos, consequência destes constrangimentos. Os autores chamam ainda a atenção para a resposta insuficiente em cuidados continuados nesta área.

Parente pobre da saúde Henrique Barros, presidente do CNS, explica que a escolha do tema para o relatório anual do organismo resultou do consenso de que as necessidades são grandes e a resposta ainda insuficiente, um atraso em parte histórico. “Lentamente, a nossa forma de olhar para os problemas de saúde mental foi-se alterando e hoje existe menos estigma, mas houve uma tradição de séculos de institucionalização e ostracização dos doentes, as pessoas eram postas de lado. Durante muito tempo não se falava do impacto e, tirando o suicídio, a doença mental não era vista como uma doença que matasse. Era um problema para a pessoa e para a família, mas não tinha a premência da doença mortal. Perdeu-se tempo e as respostas acabam por ser, ainda hoje, menos articuladas”, recorda.

Tornou-se, como muitas vezes se diz, o parente pobre da saúde e o rótulo ainda não foi ultrapassado, mesmo quando hoje se sabe que não faz sentido separar saúde mental e física. O objetivo da reflexão, explica Henrique Barros, é colocar o tema na agenda, chamar a atenção para as lacunas, mas também para a necessidade de juntar os diferentes setores à mesma mesa, da educação à segurança social e à saúde. “No séc. xxi, numa sociedade complexa, imaginar que os problemas da saúde se resolvem só na saúde ou a tratar doenças é a chave para o insucesso”, sublinha. “Percebemos que este tipo de sofrimento começa muito cedo e assume formas diferentes ao longo da vida, e por isso temos de dar mais atenção à saúde mental na gravidez, às crianças e ao bullying nas escolas, à forma como estamos nos locais de trabalho”.

E pensar a longo prazo na hora de investir em respostas e na promoção de saúde: “No fim desta década, a depressão será a primeira causa de anos de vida com qualidade perdidos. A questão é se poderemos evitar isto ou não. Com o envelhecimento, haverá um aumento das demências. Se sabemos que muita da carga de demência em Portugal é vascular, se nos alimentarmos de maneira diferente, se não fumarmos, se tratarmos a hipertensão arterial e se tivermos uma atividade física adequada, poderemos alterar as previsões”.