Com o seu discurso a alertar para a “emergência climática”, Greta Thunberg passou a ser um ícone mundial do ambientalismo e da economia verde.
Com os seus tenros 16 anos, discursa sobre o nosso modo de vida, sobre o desperdício diário pelo qual somos responsáveis e que se revela nocivo para o planeta, sobre a infância que gostaria de ter tido mas de que foi privada, acusa os responsáveis políticos pela sua inércia quanto ao nosso futuro e incita a que cada um de nós altere os seus hábitos de vida, pensando na sua pegada ecológica, num esforço para a diminuir. No horizonte destas palavras está a sua geração e as gerações vindouras, como se esta adolescente tivesse despertado para os males do aquecimento global e tido uma visão da desgraça que está a chegar.
Não foi à toa que o conceito de “alterações climáticas” passou a ser substituído, no seu discurso, por “emergência climática”, uma expressão mais apocalíptica e que deixa no ar a dúvida de que só estão a contar-nos metade da história. Se há uma emergência, então algo está para acontecer. Tal como a própria Greta disse, a nossa casa está a arder! Das duas uma: ou vem abaixo, ou apaga-se o fogo. Mas a questão é compreender até que ponto existe um incêndio no nosso planeta. Para alguns, o que se passa no nosso planeta não passa de um churrasco nas traseiras da casa que faz muito fumo e provoca alarme nos vizinhos.
Mas não para Greta. Aqui reside a certeza de que algo de mau vai acontecer e que urge tomar medidas concretas e alterar radicalmente o nosso estilo de vida. As companhias aéreas vão ter de encontrar, rapidamente, alternativas aos aviões, colocados no topo da lista dos mais poluentes, assim como os cruzeiros. Nós, consumidores , estamos com Greta nesta cruzada, desde que Nova Iorque não fique a uma distância superior a sete horas de voo ou que a passagem aérea não passe a custar tanto quanto uma Kelly bag.
Depois de Al Gore, em 2006, ter lançado Uma Verdade Inconveniente, acusando os média de camuflarem o crescente desastre ecológico de forma a proteger o sistema capitalista e de consumo, e de ter percorrido o mundo a fazer conferências, ilustradas com as imagens de um urso polar num iceberg que desaparece à medida que se derrete, apelando à necessidade do investimento sustentável, temos uma jovem que reaparece com a mesma mensagem, mais de dez anos depois.
A protagonista mudou, carregando uma inocência própria das crianças e uma força inquestionável das suas certezas e convicções, inerentes à sua condição de jovem adolescente que aporta a irreverência da idade.
Greta já se ultrapassou na sua dimensão individual. Passou a pertencer a uma vontade e aos que com ela se reveem nessa vontade. Os juízos de valor que fazem da sua rotina, como o ir ou não à escola, da sua família, das suas aparições espetaculares e que fazem muitos esperar pela sua chegada, da forma como fala e se apresenta, em nada diminuem a estrela em que se tornou. Greta foi capa da Time e disse que a partir de agora falava para todo o mundo. Porquê? Porque há quem queira ouvir o que Greta tem para dizer. Há quem queira compreender o que verdadeiramente se passa com o nosso planeta e fazer o seu diagnóstico, sem que este seja imposto por grandes grupos económicos que, subtilmente, recorrem à propaganda para orientarem os indivíduos para os seus fins.
Greta é uma rapariga interessante pelo que simboliza e pela forma tão simples que escolheu para transmitir uma preocupação sua. Uma jovem que pode bem ser uma pedra no charco para estas gerações mais novas que cresceram mais individualistas e sem propósitos comuns.
Pode ser que amanhã acordemos com mais jovens a lutar pelo planeta, a apontar o caminho numa direção diferente e a lançar o debate do que verdadeiramente está a acontecer ao nosso modelo económico, potenciado pelo nosso modo de vida.
A importância de Greta e de outros que lhe sucedam é a de acordar os mais jovens para uma intervenção mais ativa e preponderante. O exemplo da sua cidadania, ainda que seja questionável quanto à sua mensagem, deve inspirar outros a fazer o mesmo, divergindo da sua visão apocalíptica e algo simplista na análise da relação entre a causa e o efeito. Aqui reside o seu bom exemplo, no ativismo social que prevalece sobre uma tarde passada no sofá a fazer scroll down nas redes sociais ou a devorar séries da Netflix. Tardes que se tornam dias, semanas e anos a fim, num adiamento interminável das responsabilidades cívicas. O resultado desta inércia é a ausência de jovens críticos que possam ir construindo novos ideais e ser precursores de novas reflexões.
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