A República Popular da China tem estado sob intensa pressão diplomática ocidental por pôr em causa os direitos humanos ao manter campos de reeducação na região de Xinjiang, onde se encontrarão cerca de um milhão de pessoas, maioritariamente muçulmanos e da minoria étnica Uigur. Estes campos foram criados como parte de um sistema de combate ao terrorismo e ao extremismo islâmico, depois de um crescendo no número e intensidade dos atentados na região.
Xinjiang é uma das quatro províncias chinesas entendidas como regiões-tampão, que protegem o território do exterior, juntamente com a Manchúria, a Mongólia Interior e o Tibete. Xinjiang, cujo nome quer dizer, literalmente, “novas fronteiras” limita com oito países, entre os quais a Índia, o Paquistão e o Afeganistão, mas também com a instável região de Caxemira, disputada por Nova Deli e Islamabad, faz também fronteira com três ex-repúblicas soviéticas e com a própria Rússia.
Trata-se da maior província chinesa, com um território de 1,64 milhões de quilómetros quadrados, mas com uma população de apenas cerca de 22 milhões de habitantes. É etnicamente diversa, com a etnia Uigur a representar cerca de 45% da população, segundo o censo de 2010, enquanto a etnia Han, maioritária na China, representava cerca de 40,48%; em termos religiosos, com outras etnias, a maioria da população é muçulmana.
Historicamente, a região que agora se denomina Xinjiang foi disputada por diferentes povos e governada por senhores da guerra até ao final da II Guerra Mundial, quando foi reconquistada pelo exército chinês, em 1950. Até aos anos 1990, registou-se atividade separatista na região, apoiada por Moscovo, mas a dissolução da União Soviética e, depois, as consequências do 11 de setembro de 2001, com a reação norte-americana a passar pelo envio de tropas para o Afeganistão, limitaram os movimentos separatistas. Também porque, internamente, a República Popular da China passou a estar mais atenta ao fenómeno terrorista, classificando-o, até, como tal: em fevereiro de 1997, três autocarros explodiram em Urumqi, capital da região de Xinjiang, matando nove pessoas e ferindo outras 70, no que foi descrito pelo governo regional como um “ato premeditado de violência realizado por uma organização terrorista”.
Acresce que a realização dos Jogos Olímpicos em Pequim, em 2008, obrigou também as autoridades a enfrentarem o fenómeno. Em resultado, é definida uma política de contraterrorismo e, pela primeira vez, em 2003, é divulgada uma lista de quatro organizações (todas relacionadas com a minoria Uigur) consideradas terroristas.
Este conjunto de fatores permitiu que até 2012 as incidências fossem limitadas, mas, a partir daí regista-se um recrudescimento. E, apesar de o epicentro da atividade terrorista se situar em Xinjiang, os ataques repetem-se por outras regiões da República Popular da China, denotando um maior alcance, uma maior frequência e uma maior sofisticação em operações tendentes à maximização do número de vítimas.
O investimento na luta antiterrorista em 2014 O ponto mais intenso regista-se em 2014, com uma série de atentados, que levam a uma reação. No discurso que fez ao Politburo do Partido Comunista Chinês (PCC), em abril de 2014, o Presidente chinês, Xi Jinping, exigia já “medidas decisivas” contra o terrorismo e, à medida que os ataques se sucedem, profere, pelo menos, mais dois discursos em que enfatiza a relação entre o terrorismo e as ameaças enraizadas na religião e pede um combate sem tréguas e o reforço da unidade étnica.
Começam a ser tomadas medidas de fortalecimento da legislação, nomeadamente no que respeita ao combate ao terrorismo, ao separatismo e ao extremismo religioso; é aprovada a Lei de Contraterrorismo e promovida a expansão do sistema central de contraterrorismo, ao mesmo tempo que são reforçadas as operações para aplicação da lei em Xinjiang. Ao mesmo tempo, é também promovido o desenvolvimento económico na região, como parte do plano.
Isto acontece num quadro em que as autoridades chinesas se mostram preocupadas com o processo de retirada dos Estados Unidos do Afeganistão, para onde se deslocaram na sequência do ataque às torres gémeas de Nova Iorque, chegando a ter 100 mil militares em permanência, entre 2010 e 2011, que reduziram para 16.000, até 2014, e para menos de 10.000 um ano depois.
O combate ao extremismo religioso é um dos pilares do programa idealizado por Pequim e compreende limitações ao uso de símbolos religiosos islâmicos, à prática de costumes religiosos e, mesmo, de hábitos alimentares (limitação da proliferação da comida halal) ou vestuário (proibição do uso do véu para cobrir o rosto).
Nesta altura, o Grupo Nacional de Luta Contra o Terrorismo e do Ministério da Segurança Pública lança uma operação de repressão de “elementos terroristas”, focada em Xinjiang, e é neste contexto que se implantam os “centros de educação e formação profissional”, com o objetivo de fomentar a adoção do mandarim como língua, de promover a aceitação do papel do Estado e, também, de apoiar a inserção dos uigures na sociedade.
A China esforça-se por garantir que não existe instabilidade do seu lado da fronteira naquela que é a mais importante rota da Belt and Road Initiative, a nova Rota da Seda, prevendo-se um investimento global de cerca de 60 mil milhões de euros no Corredor Económico China-Paquistão.
Guerra comercial por outros meios A guerra comercial entre os Estados Unidos e China começou em fevereiro de 2018, quando Washington impôs tarifas de 30% sobre componentes de painéis solares fabricados na China; ou terá começado – ou sido prometida – bem mais cedo, segundo Pequim, ainda quando Donald Trump disputava a nomeação do Partido Republicano para as eleições de 2016, que viria a vencer. “Não podemos continuar a permitir que a China viole o nosso país e é isso que eles estão a fazer. É o maior roubo da história do mundo”, acusou Trump, na campanha.
Washington apresentou uma queixa contra a China, na Organização Mundial do Comércio, mas Pequim responde com três processos contra os Estados Unidos, perante a mesma organização.
Até agora, os Estados Unidos impuseram tarifas de cerca de 550 mil milhões de dólares (cerca de 500 mil milhões de euros) sobre produtos chineses, enquanto a China, por sua vez, estabeleceu tarifas de cerca de 185 mil milhões de dólares (cerca de 168 mil milhões de euros) sobre as mercadorias provenientes dos Estados Unidos.
Pelo meio, apontada como uma questão lateral, mas percecionada como parte do movimento político e económico que tem a guerra comercial como evento central, está a inclusão de empresas chinesas na “lista de entidades” obrigadas a pedir uma licença especial para ter relações comerciais com os Estados Unidos, o que, na prática, as impede de fazer negócio. Entre as empresas incluídas está a Huawei, o gigante tecnológico chinês que o Departamento do Comércio acredita estar “envolvida em atividades contrárias à segurança nacional dos EUA ou a interesses de política externa [norte-americanos]”.
Paralelamente, quase desde o início da guerra comercial, os Estados Unidos têm aumentado a pressão sobre a China no que respeita a Xinjiang, sempre através do secretário de Estado, Mike Pompeo, que denunciou o tratamento dos muçulmanos uigures, “mantidos contra sua vontade nos chamados campos de reeducação, onde são forçados a suportar doutrinação política severa e outros abusos terríveis”. Pompeo tem repetido as acusações sistematicamente e defendido a introdução de sanções contra a China.
De Pequim contrapõem-se acusações de hipocrisia norte-americana, depois de uma política global contra o terrorismo que incluiu prisões e processos de interrogatório considerados como tortura, em países terceiros, e detidos sem julgamento em Guantanamo, que ainda se mantêm.
O último passo nesta guerra foi dado por Washington, com a nomeação de um uigur-americano para uma posição de aconselhamento de aconselhamento sobre a política dos EUA em relação à China, com a responsabilidade de coordenação entre departamentos e agências governamentais.