O Conselho Europeu de ontem discutiu, na primeira sessão de trabalho, o programa de reforço da ambição no combate às alterações climáticas (baptizado pelos spin doctors da Comissão Europeia como Green Deal) e, ao jantar, o Quadro Financeiro Plurianual (o orçamento da UE, no fundo, quem paga o quê – os contribuintes líquidos – e quem recebe o quê). Na UE, as refeições durante os Conselhos de Ministros servem para fazer cócegas à transparência, imposta por umas almas nórdicas, desejosas de fazer conhecer aos cidadãos europeus o teor das discussões dos respectivos líderes. Quando tudo corre bem e o respeito pela coreografia decisória está garantido, ligam-se as câmaras e a presidência do conselho de serviço debita o resultado da discussão e da votação. Quando a cizânia está instalada e as discussões entre os diversos Estados-membros são mais ácidas e passíveis de desencorajar, junto dos cidadãos, o amor pela construção europeia, o Conselho Europeu almoça, o Conselho Europeu janta, mas sem câmaras de televisão. Há na história da UE almoços épicos, como o do Conselho de Ministros do Ambiente que em 2003 aprovou, a duras penas, a directiva da responsabilidade ambiental, um almoço que começou ao meio-dia e terminou às 17h00. Tendo decorrido no Luxemburgo, as cinco horas esgotariam largamente a diversidade e o interesse da gastronomia local. Mas serviram para encontrar o compromisso possível, a mal da transparência.
O Green Deal apresentado esta semana pela Comissão Europeia corre o risco de canibalizar as discussões relativas ao Quadro Financeiro Plurianual. Os Estados que mais consomem carvão de má qualidade (lenhite) querem ser compensados pelos custos de transição para combustíveis menos poluentes mas mais caros (Polónia, Hungria, Eslováquia, República Checa e, por razões históricas, sociais e políticas que obrigam à manutenção da mineração de carvão, a Alemanha). Junta-se aqui a fome (os Estados menos desenvolvidos do ponto de vista energético e que não querem alocar recursos financeiros à descarbonização) com a vontade de comer (a Alemanha, principal contribuinte financeiro líquido para o orçamento da UE, quererá recuperar algum dinheiro e beneficiará de um fundo para a descarbonização pago pela UE). A comissão já crismou a coisa – Fundo para a Transição Justa – e, para começo de conversa, alocou a esta transitória justiça 100 mil milhões de euros (metade do PIB português em 2018). Estas são más notícias para Portugal, um país que permanece no grupo da coesão (ou seja, é beneficiário líquido de fundos europeus) 33 anos depois da adesão por mérito da sua incapacidade de crescimento económico, empobrecendo cada ano que passa em relação à média do PIB per capita da UE (em 2019, só três Estados-membros terão um PIB menor, outros três terão um PIB equivalente com tendência para crescer mais depressa do que o lusitano).
Ao Green Deal, a Comissão Europeia associa um gigantesco programa legislativo, a iniciar em 2020 e que facilmente deslizará para o ano seguinte, seja porque a primeira presidência croata da UE, no primeiro semestre de 2020, não terá nem tempo nem capacidade para fechar textos legislativos, seja porque a Alemanha, aos comandos no segundo semestre de 2020, poderá não ter vontade política de criar custos adicionais para a sua indústria. A presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021, será verde ou não será. E esta é a boa notícia.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990