É para mim muito penoso continuar a assistir em Portugal à discussão sobre onde gastar e distribuir o dinheiro que parece sempre faltar. Essa discussão convive de perto com outra que invariavelmente reflete a forma pouco meritocrática do financiamento do Estado e que passa pela cobrança cada vez mais agressiva de impostos ou pela contratação de dívida para pagar o défice da despesa pública.
Criação de riqueza não parece ser tema para os órgãos de soberania. A criação de riqueza é trabalhosa, obriga à meticulosa gestão de ambição e visão de futuro, requerendo níveis de exigência e foco superiores. Portugal necessita de uma estratégia económica assente nas diversas frentes de atuação de uma sociedade contemporânea e das quais destaco a missão de Portugal na Europa e no mundo, a cultura e organização do trabalho e o sistema de investigação e ensino, matérias em que, para sermos realistas, não fazemos ideia do que Portugal quer ser quando crescer.
Resumo aqui desafios e visões que nos asseguram criação de riqueza sustentável e que considero inadiáveis.
Como país mais ocidental da Europa e detentor da maior zona económica marítima europeia, Portugal é, quando medimos a área dos países incluindo o espaço marítimo, cerca de seis vezes maior que a Alemanha. Temos a obrigação de, nesse contexto, defender a força militar conjunta europeia, em que as responsabilidades de Portugal no que ao papel humano, tecnológico e industrial no controlo e defesa do espaço marítimo respeita devem, naturalmente, ser de primeira linha. Esse aspeto, por si só, constitui fonte de emprego e desenvolvimento económico e influência política e diplomática no que à segurança do oceano Atlântico concerne. Adicionalmente, há todo um conjunto de fontes de desenvolvimento e riqueza ligadas à alimentação com culturas piscícolas e vegetais em alto-mar, à investigação oceanográfica na pesquisa de novas moléculas e materiais com aplicações diversas, desde a indústria farmacêutica às telecomunicações. Entre um vasto leque de possibilidades económicas adicionais é de relevar ainda a componente de fonte energética proveniente do aproveitamento da força das marés, correntes e ondas. O aproveitamento e exploração do espaço marítimo para o desenvolvimento económico do país deve constituir a missão de longo prazo mais estruturante da economia portuguesa.
A consciencialização do país para uma missão desta grandeza pressupõe uma orientação dos diversos níveis do ensino e formação e da investigação científica para as áreas de apoio a esta tão grandiosa missão. Por outro lado, parte significativa do investimento público deverá ser canalizado para o suporte infraestrutural que uma missão desta natureza necessita. Portugal, tal como há cinco séculos, tem no oceano a capacidade de se afirmar política e economicamente como uma referência mundial.
A manutenção do modelo antiquado de relações laborais entre empregados por conta de outrem e empregadores, assente em premissas antagónicas com desfecho desastroso ao nível da motivação, felicidade e produtividade associadas ao trabalho, constitui entrave fortíssimo ao desenvolvimento da produtividade e riqueza. São necessários choques no modelo que tem vigorado no último século e que passam por um aumento muito significativo do salário mínimo nacional, conferindo a uma vasta faixa da população condições mínimas para terminar com o ciclo de pobreza e atingir a dignidade laboral mínima. Organizações e setores económicos que não sobrevivam a esse choque devem ou deixar de existir ou reinventar-se. Não é aceitável que um país defensor dos direitos humanos possa conviver com níveis de exploração laboral próprios de subdesenvolvimento cívico e económico que em nada motivam a população ativa nessa faixa de rendimento a participar num ciclo de produtividade acrescida.
Por outro lado, garantir uma maior integração de todos os recursos passa pela partilha da tomada de decisão e dos resultados. Este princípio de evolução civilizacional ao nível laboral tem todos os ingredientes para contribuir para a transformação profunda do problema crónico da baixa produtividade do trabalho em Portugal. Nesse contexto, é necessário introduzir o princípio da partilha dos resultados das empresas pelos detentores do capital, a gestão e os trabalhadores. Este modelo de funcionamento conduzirá ao fim da crónica ausência de convergência entre patrões e trabalhadores. Este elemento deve ser reforçado pela integração, em empresas a partir de determinada dimensão, de um elemento representante dos trabalhadores no conselho de administração de modo a garantir a fundamental convergência de vontades e objetivos. Além dessas inovações estruturantes, devem ser promovidos na sociedade em geral modelos de incentivo e reconhecimento do mérito. Pessoas motivadas e justamente reconhecidas geram índices de produtividade e felicidade que conduzem a níveis de riqueza e qualidade de vida dignificantes. Ao contrário da esquerda, que insiste no conflito entre trabalho e capital, é imprescindível que a sociedade moderna encontre plataformas de partilha e convergência entre o trabalho e o capital. Reconhecer a qualidade e importância do trabalho de cada um constitui o primeiro nível de justiça e dignidade social.
Por fim, e para garantir de facto que há partilha e equilíbrio na partilha de resultados entre o fator trabalho e o fator capital, é imprescindível uma maior flexibilização do despedimento, transferindo das empresas para a Segurança Social a responsabilidade de apoiar quem, por algum motivo, esteja em dificuldades. Esse é o papel social do Estado, que dessa forma protegerá a produtividade e desenvolvimento da sociedade económica, base fundamental da criação de riqueza e única fonte verdadeiramente social-democrata de distribuição sustentável.
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”