Dos 90 mil doentes que anualmente poderiam precisar de cuidados paliativos, apenas 25 mil chegam a beneficiar deste tipo de cuidados, destinados aliviar o sofrimento, físico e psicológico, em casos de doenças incuráveis, avançadas e progressivas.
O ponto de situação foi esta quinta-feira traçado pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, num dia em que foi conhecido um estudo do Observatório Português de Cuidados Paliativos do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica sobre a atual resposta. Inquéritos a equipas e serviços indicam que, entre 2017 e 2018, houve uma diminuição do tempo dedicado pelos profissionais a esta área, em particular de médicos e enfermeiros, que há equipas a funcionar sem os requisitos mínimos definidos e que se mantêm assimetrias profundas na rede, ainda longe de garantir resposta universal a toda a população. Faltam camas mas também equipas comunitárias, que ainda não existem em sete distritos.
De acordo com o observatório, que recomenda uma remodelação do planeamento estratégico e mais rigor na estimação de recursos e tempo alocado, atualmente a resposta é garantida pelo equivalente a tempo completo de 66 médicos quando deveriam ser 496, 243 enfermeiros quando deveriam existir 2384; a 17 psicólogos quando deveriam haver 195 e a 22 assistentes sociais quando deveriam de haver 195. Manuel Luís Capelas, coordenador do estudo, explicou ao i que esta é a principal preocupação que ressalta do levantamento feito: “Temos mais respostas do que no passado mas menos apetrechadas em pessoal e a diferença de um ano para o outro no tempo alocado pelos profissionais surpreendeu-nos. Não adianta aumentar os recursos se não houver uma dotação adequada de profissionais: aumenta-se a expectativa das pessoas mas não é possível garantir resposta adequada.”
Edna Gonçalves, médica especialista em cuidados paliativos no Hospital de S. João desde 2016 à frente da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos, responsável pela rede nacional, admite que ainda há caminho a percorrer, mas recusa que tenha havido um retrocesso nos últimos anos. “Estranho as conclusões porque, havendo lacunas, quando foi criada a comissão em 2016 havia 14 equipas comunitárias e hoje são 24. Tínhamos equipas intra-hospitalares em 20 hospitais do Serviço Nacional de Saúde e hoje temos em todos, além de termos também unidades de internamento nos hospitais e tem sido um aumento gradual. Em 2016 ainda tínhamos distritos que não tinham qualquer resposta quando hoje existe pelo menos um tipo de valência em todos.”
Num ponto há acordo: ainda não chega. “Poderíamos chegar a 80 a 90 mil pessoas todos os anos e ainda não conseguimos chegar à maioria dos doentes”, diz ao i Edna Gonçalves, reconhecendo que tem havido constrangimentos financeiros mas também outro obstáculo: as unidades e equipas exigem profissionais com formação para avançar e nem sempre tem sido possível ter pessoas disponíveis, em particular no interior.
A responsável sublinha que a prioridade nos próximos anos, além da resposta a nível hospitalar em que as equipas se deslocam até aos doentes, é garantir cobertura total a nível nacional das equipas que prestam cuidados no domicílio, passando das atuais 24 para 54 – e abrangendo assim todos os agrupamentos de centros de saúde. “Não sei se o conseguiremos fazer até ao final de 2020, mas pelo menos nove ou dez queremos abrir”, diz.
Ontem a Secretária de Estado Adjunta e da Saúde Jamila Madeira anunciou que esta área terá investimento no Orçamento do Estado do próximo ano. Edna Gonçalves adianta que numa reunião com a ministra da Saúde na semana passada foi feito esse pedido à tutela, depois de este ano não ter havido uma dotação específica para cuidados paliativos.
Questionado pelo i, o Ministério da Saúde não revelou o que está previsto nesta área ou para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados no global, que na última legislatura ficou aquém da meta de chegar às 14 mil camas, remetendo mais dados para a proposta de OE que será entregue na segunda-feira. O PSD apresentou um requerimento para ouvir na AR o observatório e a associação de cuidados paliativos e a coordenadora da rede.
Ao i, Edna Gonçalves defende que é necessário continuar a reforçar a resposta mas também maior sensibilização. “Às vezes as equipas não pedem cuidados paliativos e continuamos a chegar a doentes que morrem no dia em que os vamos ver. Muito do papel que estas equipas podem ter acaba por se perder se não houver a possibilidade de conhecer o doente e as suas preocupações mais cedo”.