Nos primeiros nove meses do ano houve mais consultas e cirurgias nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, mas o sistema dá sinais de estar mais dependente de trabalho extraordinário e de tarefeiros e numa situação financeira ainda mais frágil do que em 2018, ano em que o SNS já tinha tido o maior prejuízo de sempre.
Até setembro, revelam dados publicados pela Administração Central do Sistema de Saúde, os hospitais registaram resultados operacionais negativos em 600 milhões de euros, um agravamento de 19 milhões de euros face ao mesmo mês do ano passado. É na rubrica de gastos com pessoal que mais tem aumentado a despesa, com um crescimento de 10,2% – mais 190 milhões de euros face aos primeiros nove meses de 2018. Mas as contratações parecem continuar aquém das necessidades. Os gastos com trabalho extraordinário e suplementos, que já tinham batido recordes em 2018, continuam a aumentar e deverão ultrapassar os valores do ano passado. Até setembro, os hospitais tiveram uma despesa de 299,9 milhões de euros com trabalho extraordinário e suplementos, mais 28,7% do que nos primeiros nove meses de 2018 (um aumento de 66 milhões de euros). Também o recurso a prestações de serviços, os chamados tarefeiros que preenchem as escalas dos hospitais quando existe falta de médicos nos quadros – em particular nas urgências – continua a crescer. Até setembro, as unidades gastaram 81 milhões de euros a contratar médicos externamente, mais 6,6 milhões do que no mesmo período de 2018.
A informação detalhada agora publicada na plataforma de monitorização mensal da ACSS – que este ano ainda não tinha divulgado dados económico-financeiros das unidades, embora a lei imponha uma divulgação mensal – não inclui todos os hospitais, o que o organismo justifica com constrangimentos na implementação de um novo referencial contabilístico. Estão por publicar os resultados dos Hospitais de Santa Maria Maior, Garcia de Orta, Centro Hospitalar de Setúbal, Hospital Fernando Fonseca e do Hospital de Braga, grandes hospitais, pelo que os números globais ainda não estão fechados e deverão ser superiores.
Entre as unidades com dados disponíveis é possível perceber que, embora tenha havido um reforço de financiamento na casa dos 168 milhões de euros até setembro, os resultados operacionais pioraram em mais de metade dos hospitais. Além dos gastos com pessoal, até setembro houve um aumento de 9,2% (52 milhões de euros) na despesa com fornecimento de serviços externos (subcontratações a terceiros) e de 3,4% com material de consumo clínico (mais 9 milhões de euros). Em contrapartida, houve uma diminuição de 1,5% na despesa com produtos farmacêuticos.
Horas extra sobem mais de 50% em alguns hospitais
Analisando as unidades com mais detalhe, verifica-se que os custos com trabalho extraordinário dispararam em alguns hospitais mais de 50%. É o caso do Hospital Magalhães Lemos, do Centro Hospitalar do Algarve – onde nos últimos dias veio a público a recusa dos cirurgiões em fazerem mais horas extra nas urgências – mas também no Hospital da Figueira da Foz, no Centro Hospitalar Tondela Viseu e no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa.
Dados em bruto publicados no Portal da Transparência do Ministério da Saúde revelam que até outubro tinham sido feitas 12,1 milhões de horas extra no SNS, sendo que a publicação não discrimina em que grupos profissionais mais está a aumentar o recurso a trabalho extraordinário. Historicamente são os médicos que mais fazem horas extra no SNS – no ano passado, quando se registou um recorde de 13,1 milhões de horas extra no SNS, 5,7 milhões foram prestadas por médicos, seguindo-se os enfermeiros, o grupo profissional que em 2018 mais aumentou o trabalho extraordinário, algo justificado com o regresso do horário de trabalho às 35 horas.
Para Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), os resultados agora publicados confirmam que as contratações autorizadas nos últimos meses continuam a ser insuficientes para assegurar urgências e repor a diminuição do período normal de trabalho. “Era expectável, o que não se compreende é por que motivo se insiste em continuar a gastar mais com trabalho extraordinário e prestações de serviço em vez de autorizar as contratações”, lamenta.
Este ano, o Governo deu maior autonomia aos hospitais para substituírem profissionais de baixa prolongada ou saídas definitivas para a reforma, mas a regra excluiu médicos e as novas contratações continuam a estar dependentes de luz verde da Saúde e das Finanças, chegando a demorar vários meses.
Quanto à deterioração dos resultados financeiros, Alexandre Lourenço diz revelar a suborçamentação do SNS. “Houve um reforço financeiro, mas continua a ser insuficiente e a gerar ineficiências nos hospitais”, alerta. A APAH tem defendido que o dinheiro que é injectado ao longo do ano nos hospitais para saldar dívidas em atraso a fornecedores seja incluído nos orçamentos iniciais. Em setembro os hospitais totalizavam 895,6 milhões de euros em dívidas vencidas, dos quais 503 ME em faturas cujo prazo de pagamento foi ultrapassado há mais de 90 dias – os chamados pagamentos em atraso – valores mais baixos do que em 2018. É esperada uma nova tranche para os hospitais pagarem a fornecedores até ao fim do ano e a expectativa é agora conhecer o OE de 2020.
Concurso para recém-especialistas este mês
O Ministério da Saúde garante estar a “trabalhar para reforçar os recursos humanos” no SNS, mas para já adianta apenas que está prevista a abertura do segundo concurso do ano de colocação de médicos recém-especialistas ainda este mês.
Questionado pelo i sobre os motivos para o crescimento do trabalho extraordinário e prestações de serviço e sobre se existe um levantamento de quantos profissionais são ainda necessários nos hospitais para repor o regresso às 35 horas, a tutela deu apenas esta indicação, respondendo ao crescimento da despesa com o facto de as entidades do SNS estarem a aumentar o movimento assistencial.
A tutela avança com os dados de outubro, que ainda não estão publicados no site da ACSS, e que apontam para um aumento de 1,7% nas consultas médicas e de 4,2% nas cirurgias nos hospitais do SNS.