“Parto para Lisboa dia 12 de dezembro, se Deus quiser”. Há dez anos, quando acabou de fazer as malas, Rosalina Ribeiro pegou num pedaço de papel e escreveu um recado para si própria, com a sua letra tremida. Depois colocou-o em cima das roupas que estavam já preparadas para a viagem, no seu apartamento do Rio de Janeiro. Estava a poucas horas de se encontrar com o seu advogado português, Domingos Duarte Lima, e não escondia o nervosismo. Quando na noite do dia 7, já perto das 20h, saiu de casa para o encontrar, no restaurante Alcaparra’s, próximo de sua casa, o carro que acelerou a toda a velocidade na sua direção fez a antiga companheira do milionário Lúcio Tomé Feteira lembrar-se mais uma vez do medo que tinha de andar naquela cidade. Deu um salto para o lado e continuou o seu caminho. Nesse dia, o ex-deputado social-democrata Duarte Lima já tinha andado a deambular pela zona Sul do Rio de Janeiro, depois de na véspera ter aterrado em solo brasileiro – não no aeroporto do Rio, mas no de Confins, Belo Horizonte. Chegou à 1h da manhã do dia 6 de dezembro e às 8h já estava a receber o Ford Focus com matrícula HCF-1967 que alugara numa empresa que punha a render carros de particulares, não num rent-a–car tradicional. Tinha pela frente 400 quilómetros de estradas difíceis. Chegou ao Rio à hora de almoço, mas antes de se dirigir ao hotel Sofitel Copacabana (onde apenas entrou perto das 21h), ainda fora à Região dos Lagos. Esta é a tese da acusação, que cruzou todos os sinais dos telemóveis que o antigo líder da bancada parlamentar do PSD levou para aquele país e ainda as multas de excesso de velocidade que apanhou.
A mulher que levava um macacão leve e tinha estado a arranjar-se no espelho do elevador ainda é captada por uma câmara a passar à frente do n.o 100 da Avenida Praia do Flamengo – morava no n.o 60 e o restaurante ficava no n.o 150 – com a pasta onde levava os documentos que queria mostrar a Duarte Lima, mas não mais foi vista. A polícia brasileira concluiu que o advogado a apanhou antes de chegar ao local onde teriam combinado e onde acabaram por nem sequer entrar. Até porque é Duarte Lima quem assume que se encontrou efetivamente com a cliente.
Duas horas depois de ter cruzado o Bairro do Flamengo, o Focus de Duarte Lima seguia já na direção dos Lagos pela estrada que liga Niterói a Saquarema. Rosalina ia ao seu lado, numa viagem da qual nunca mais regressaria.
No dia seguinte, os amigos estranharam o silêncio de Rosalina Ribeiro e iniciaram alguns contactos – Normando Marques, o advogado brasileiro, não desiste enquanto não consegue chegar à fala com Duarte Lima, que lhe confirma o encontro e diz que no final do mesmo deixou a sua cliente com uma mulher de nome Gisele, com quem esta iria ter uma reunião relativa à herança Feteira.
No dia 10 já havia pouco mais a fazer além de formalizar a queixa do desaparecimento, havendo até já passado o período legal para o efeito. Normando Marques dirige-se à 9.a delegacia de Polícia Civil, no Bairro do Catete, a esquadra que cobre a área do desaparecimento. Em curso estava já uma campanha de distribuição de fotografias colocada em marcha pelos amigos.
É no dia 12 que Duarte Lima envia um fax para a delegacia explicando como fora o seu encontro e onde deixara a cliente: “A reunião demorou cerca de meia hora, após o que a Sra. D. Rosalina Ribeiro me comunicou que ia apanhar um táxi para Maricá, para um encontro com uma senhora de nome D. Gisele, igualmente para tratar de assuntos relativos à partilha do espólio. Manifestei à Sra. D. Rosalina a minha disponibilidade para a levar ao seu destino, disponibilidade que ela aceitou”.
E acrescenta: “Conduzi a Sra. D. Rosalina a Maricá, onde chegámos por volta das 21h20. Como não conhecia a cidade nem o caminho, foi ela que me orientou no percurso, sempre pela estrada principal que sai da ponte para Niterói. Pediu-me que a deixasse junto ao Hotel Jangada”.
Duarte Lima deixou o Rio de Janeiro no dia 8 de dezembro de 2009 e, desde então, nunca mais regressou àquele país. Foi no dia em que estava de partida que o cadáver foi encontrado por uma mulher de uma família pobre que vive junto à estrada de terra batida onde desova muito do crime da Cidade Maravilhosa. A mulher com ar de estrangeira, no entanto, tinha todos os seus pertences, não era a típica vítima de assalto. Segundo as autoridades, foi morta com dois tiros: um “à direita da região frontal e outro na região torácica direita”. Durante vários dias esteve com identidade “ignorada” e quase foi enterrada como indigente numa vala comum do estado. Estava a cem quilómetros do Rio. E só duas semanas depois, os inspetores, que iam recebendo dados de vários cadáveres encontrados, ligaram aquele corpo encontrado na Região dos Lagos ao desaparecimento de Rosalina.
A partir daí, o caso passa para as mãos da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, que não só não encontrou qualquer registo da tal Gisele como descartou qualquer ligação de Olímpia Tomé Feteira (filha do milionário) e concluiu que o principal suspeito seria Domingos Duarte Lima, o conhecido político português –uma investigação que foi validada pelo Ministério Público, que deduziu acusação em 2011, e mais tarde pela justiça, com o Tribunal de Saquarema a pronunciar Lima pelo crime, ou seja, a decidir que tem de ser julgado pelo homicídio. De lá para cá, de recurso em recurso, o caso tem-se arrastado. Passaram dez anos.
Preso pelo caso BPN, Lima aguarda transferência do processo
Em setembro deste ano, o Supremo Tribunal Federal brasileiro (equivalente ao Constitucional português) decidiu não travar o processo de transferência do processo de Duarte Lima relativo ao homicídio de Rosalina Ribeiro para Portugal. A defesa do ex-deputado do PSD queria que o julgamento fosse no Rio de Janeiro, mas o tribunal considerou que se tal acontecesse e acabasse numa condenação, havia o forte risco de Lima sair impune – uma vez que Lisboa não o poderia extraditar.
Em julho deste ano, o Supremo brasileiro veio reforçar a hipótese de transferência do processo para Lisboa, ao não concordar com um recurso da defesa do antigo político contra uma decisão do início do ano que confirmava a legalidade do envio do processo.
Em março, a juíza e vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, recusou um recurso de Duarte Lima no qual o ex-deputado pedia a anulação do envio do processo para Portugal, e a defesa decidiu voltar a recorrer, desta vez interpondo aquilo a que no Brasil se chama agravo.
A defesa de Duarte Lima, a cargo do advogado João Costa Ribeiro Filho, tem-se oposto ao envio do processo para Lisboa, referindo que a proposta do Ministério Público daquele país se traduz na redução de direitos e garantias para o acusado, dado que, no Brasil, este tipo de casos é julgado por um tribunal de júri, sistema que consideram oferecer melhores garantias do que um tribunal composto apenas por um coletivo de juízes, como acontecerá na justiça portuguesa.
O antigo político foi acusado e pronunciado por homicídio pela justiça brasileira. Rosalina Ribeiro, sua cliente e antiga de Tomé Feteira, foi assassinada em 2009, a cerca de 100 quilómetros do Rio.
Segundo a acusação, o móbil do crime terá sido o facto de a vítima ter colocado nas contas do advogado 5,2 milhões de euros para evitar ser arrestada pelos herdeiros de Feteira, e este querer a posteriori que Rosalina assinasse uma declaração a isentá-lo de tal recebimento.
Em Portugal, num outro processo relativo a estes milhões, o coletivo de juízes do Tribunal Central Criminal de Lisboa decidiu aplicar o princípio in dubio pro reo e absolveu Duarte Lima do crime de abuso de confiança quanto à alegada apropriação indevida do dinheiro de Rosalina Ribeiro. Duarte Lima está atualmente preso na Carregueira, no âmbito do processo BPN/Homeland.