Governo quer avançar para delação premiada e fim dos megaprocessos

Governo quer avançar para delação premiada e fim dos megaprocessos


Propostas da tutela começam a ser discutidas em janeiro e relatório final deverá ser apresentado em abril. Delação premiada é uma das medidas previstas.


Colaboração premiada, negociação de penas em fase de julgamento, fim de megaprocessos como a Operação Marquês ou o caso Monte Branco e juízes mais experientes ou especializados: estas são as quatro propostas que se juntam às medidas previstas no programa de Governo para a justiça. No próximo ano será apresentada uma nova estratégia nacional de combate à corrupção. O Governo anunciou na semana passada um grupo de trabalho para discutir estas novas propostas e outras já a partir de janeiro do próximo ano. E a meta para que se alcancem as primeiras conclusões é abril.

Com estas propostas, a tutela pretende facilitar a investigação da criminalidade económico-financeira mais complexa, evitar o arrastar típico dos megaprocessos, e conseguir julgamentos – mesmo que de temas complexos – mais céleres.

Quanto à chamada colaboração premiada, o que está em causa é, na prática, a possibilidade de redução de penas para quem aceitar, durante a fase de investigação, denunciar esquemas de corrupção. Já no que toca à proposta para alterações na fase de julgamento, ou seja, a fase posterior à da investigação, o Governo defende que se possam alargar possibilidades até hoje apenas disponíveis durante a investigação, como a suspensão provisória do procedimento criminal. Esta figura, que começou a ser conhecida com a Operação Furacão, permite ao arguido ficar livre de uma acusação (de forma provisória) se, além de assumir os crimes, preencher determinados requisitos, como devolver o dinheiro em que o Estado foi lesado – em casos de fraude fiscal – e ainda pagar uma injunção. A proposta prevê que um juiz possa também, na fase de julgamento, não avançar para uma condenação efetiva, usando uma espécie de suspensão provisória.

A especialização dos juízes será também outra medida, a par da criação de tribunais específicos para o julgamento de crimes de corrupção. Sobre esta matéria, Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, referiu que o grupo de trabalho não vai “criar nada de novo ou revolucionário” e irá apenas “melhorar a capacidade de resposta do ponto de vista da prevenção e repressão criminal”.

O grupo de trabalho será composto por elementos da Procuradoria-Geral da República, da Polícia Judiciária, do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho de Prevenção da Corrupção, e por vários académicos. Até ao final de abril deverá ser entregue um relatório final com as medidas concretas de combate à corrupção, nomeadamente decisões sobre estas propostas.

O conselho regional do Porto da Ordem dos Advogados disse ontem que a divulgação de medidas de combate à corrupção no Dia Internacional contra a Corrupção é apenas “uma coincidência mediática”. As críticas apontadas por este órgão vão para a proposta de criação de tribunais especializados para julgar os casos de corrupção. Para Paulo Pimenta, presidente daquele conselho, esta medida é “um obstáculo na própria Constituição”, já que apesar de ser “desejável a especialização dos juízes em matéria de corrupção e de crimes económicos, tal não implica a criação de tribunais destinados a julgar crimes de corrupção”. Quanto à delação premiada, diz ser “uma forma de desinvestir na investigação criminal”.

As alterações legislativas são um avanço, mas é preciso fazer mais. Quem o diz é António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que acrescentou ser necessário investimento na contratação de mais profissionais e em meios tecnológicos. “Ou se contribui também com recursos humanos no magistrado público e inspetores da Polícia Judiciária, ou esta batalha será sempre uma batalha perdida, porque quem pratica estes crimes está sempre à frente de quem investiga”, disse Ventinhas.