No meio deste debate, não desprovido de ideologia, embora por vezes afirmado como essencialmente técnico, deveremos fazer o exercício de reflexão sobre o modelo que existe de financiamento do Estado, bem como o tipo de sociedade que pretendemos ter no nosso país.
Das notícias recentes sobre o assunto importa destacar o contributo que o economista “pop star” da social-democracia, Thomas Piketty tem assumido neste período, pondo em evidência que o modelo social e fiscal não tem conseguido dar resposta à grande maioria da classe média e com isso abre espaço para que esta procure em outras latitudes políticas as respostas que os liberais e conservadores não dão e que a social-democracia esqueceu.
Num artigo deste fim-de-semana noutro jornal a propósito do lançamento do seu mais novo livro “Capital et Ideologie”, este, socorre-se do conceito criado por Christoph Lakner e Branko Milanovic do Banco Mundial a propósito do crescimento de rendimentos em que se constata que os 50% da população que menos rendimentos dispõem viram-nos aumentar entre 1980 e 2018 12%, o 1% do topo viram os seus rendimentos aumentarem 27% e os 40% do meio viram os seus rendimentos decrescer.
Não é difícil vermos isso mesmo no nosso próprio país. Se é de assinalar o esforço coletivo de aumentar os rendimentos daqueles que menos têm, através dos sucessivos aumentos do salário mínimo nacional (política mais que justa), a realidade é que os rendimentos da chamada classe média têm vindo a ser insuficientes para fazer face aos custos de vida atuais. Veja-se a este título a dificuldade das classes médias em aceder a habitação, a colocar os seus filhos no ensino superior, etc.
Em resumo, ao longo das últimas décadas assistimos a um maior crescimento de rendimentos daqueles que já têm muito e a um decréscimo de rendimento para a grande maioria da população. Esta realidade comprova que a arquitetura fiscal atual não tem sido suficiente para a uma redistribuição correta dos rendimentos na sociedade.
Urge encontrar novas, que podem passar por velhas respostas, como é o caso da reintrodução do imposto sucessório, uma vez que os recursos financeiros do Estado são finitos e que não se poderá aumentar a despesa sem a necessária receita.
Deveremos todos perguntar-nos qual é o limite de rendimentos necessários para vivermos com qualidade na nossa sociedade. Qual é o número de carros, iates, aviões, imóveis que serão suficientes e necessários para vivermos bem e, por fim, qual o valor aceitável que devemos permitir que alguém receba apenas porque é herdeiro de A ou B? 100 milhões de euros? 2 mil milhões? 20 milhões? 459 milhões? Deveremos ter a coragem para respondermos a estas e outras questões.
O mundo continua a ser cada vez mais desigual e as respostas encontradas não têm sido suficientes para garantir uma redistribuição da riqueza justa e equitativa, o imposto sucessório para grandes fortunas poderá ser uma resposta para mitigar esta distorção.