Quando a noite cai, o movimento nas ruas das cidades já não diminui assim tanto. Os serões são agora povoados por uma multidão compacta que enche todas as artérias e lojas. Pessoas de sorrisos no rosto, olhos bem abertos e muitos sacos na mão. O mês de dezembro chegou, dando início ao período de maior consumo do ano, uma autêntica corrida às compras em espaços com portas e janelas emolduradas por luzes vivas que prometem a opção certa para aqueles de quem mais se gosta. E tudo se passa demasiado depressa, ao som de músicas de Natal que aquecem os corpos e os corações. Neste período, muitas empresas reagem ao aumento da procura reforçando as suas equipas com recurso a contratações temporárias. As estimativas provisórias da Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego e Recursos Humanos (APESPE-RH) apontam para a contratação de quatro mil pessoas, apenas nesta fase, com vínculos de curta duração que podem ir do simples reforço diário, para jornadas de maior afluência ou a realização de tarefas muito específicas (como a feitura de embrulhos de presentes), até a um máximo de um mês de ligação contratual.
E os números falam por si. Só o El Corte Inglés vai contratar mais de 600 colaboradores para reforçar as suas equipas nesta época. A contratação inclui um período de formação para as “tarefas inerentes à atividade do comércio nas áreas de moda, acessórios, decoração e casa, eletrónica, brinquedos, lazer, desporto e alimentação, além de serviços especiais para essas datas como, por exemplo, o embrulho de presentes”, revelou o grupo.
O mesmo cenário repete-se noutras empresas. A Toys’R’Us prevê contratar 1500 pessoas, duplicando o seu atual número de trabalhadores. A ideia é reforçar as equipas das lojas e armazéns. Também o grupo Sonae – que conta com marcas como Continente e Worten, entre outras – pretende contratar mais de 300 trabalhadores tanto para funções de part-time como de full-time.
Ofertas arrancam mais cedo Estas ofertas de emprego surgem cada vez mais cedo, a partir dos primeiros dias de novembro. Mas apesar de não terem impacto significativo nos problemas do desemprego, estas oportunidades são aproveitadas por todo o tipo de profissionais, com motivações e objetivos muito variados. É o caso de Joana Ramos, 21 anos, que já tinha pensado em candidatar-se em ocasiões anteriores, mas só este ano concretizou esse desejo, o que lhe permite ter a sua primeira experiência no mercado de trabalho.
Estudante de Ciências da Comunicação e Cultura na Universidade Autónoma de Lisboa, Joana Ramos deparou-se, por acaso, com um anúncio de emprego num momento de pausa dos estudos, enquanto navegava na internet sem destino através do seu telemóvel. Decidiu enviar o seu currículo de apenas uma página. “Nunca imaginei que fosse suficiente para conseguir a vaga”, confessa. No entanto, a lógica das contratações desta época não cumpre, à partida, os mesmos critérios das do resto do ano.
Joana Ramos acabou por ser chamada para uma breve entrevista e começou a trabalhar dias depois numa grande superfície de Cascais. Vai ser operadora de caixa durante um mês e meio, ou seja, até ao início de 2020. Ao i, diz “que tinha muita vontade de experimentar como é trabalhar”, mas assume que essa função não é o que quer fazer “para o resto da vida”.
“É importante ter estas experiências durante o curso, para conhecer melhor as empresas e as pessoas”, diz, acrescentando ainda que “o dinheiro também dá jeito” – é uma forma de começar a conquistar a sua independência. A empresa que contratou Joana recorre anualmente a centenas de trabalhadores temporários com o objetivo de responder ao aumento da procura, mas também como forma de os avaliar e validar.
Há vários casos de quem teve a oportunidade de prosseguir carreira nas suas fileiras após a época natalícia. No entanto, a jovem estudante parece estar satisfeita com o acordo estabelecido e o seu futuro passará pelo regresso às aulas ou por ingressar noutra área profissional.
Mas a contratação de curta duração não é aproveitada só por jovens estudantes ou desempregados. É também uma ocasião para fazer um pé-de-meia. Bruno Batista, 28 anos, decidiu agarrar a oportunidade. Começou a trabalhar muito cedo, deixando para trás uma carreira académica. Essa opção levou-o a passar por vários centros comerciais.
Hoje é funcionário num destes espaços, localizado no Montijo, numa loja de venda de calçado desportivo. A aproximação do Natal aumentou o movimento, mas não o seu horário de trabalho. Na loja ao lado, que vende fatos para homem, um anúncio para trabalho em part-time chamou-lhe a atenção. “O meu turno costuma começar de manhã e terminar a meio da tarde. A loja ao meu lado precisava de alguém para o turno da noite, um horário de apenas quatro horas diárias, e aproveitei”, explica.
Bruno Batista tem família, vive com a namorada e com uma filha menor. Para ele, o período de maior consumo permite-lhe acumular dois trabalhos, um esforço que, ainda assim, considera ser compensatório: “Para mim é ótimo. Graças a este extra junto algum dinheiro e talvez assim possa fazer uma viagem nas férias com a minha família”. Caso contrário, tal não seria possível. Em janeiro, Bruno Batista vai regressar ao seu ritmo habitual.
Consumo aumenta e patrões contratam mais cedo A perspetiva de aumento do consumo interno em 2019 levou a que as empresas associadas da APESPE-RH, que representam cerca de 70% deste mercado, anunciassem este tipo de ofertas de emprego mais cedo do que habitualmente, após pedidos atempados feitos pelos seus clientes, ou seja, a partir da última quinzena de novembro.
Afonso Carvalho, presidente da associação, descreve esta fase como “avassaladora”. “É um período extremamente dinâmico para as empresas de recrutamento que se caracteriza por pedidos de última hora dos nossos clientes”, explica ao i.
Este aumento de atividade, de características cíclicas, obriga “a que as empresas se preparem para dar respostas de acordo com as necessidades globais do mercado”, criando soluções que vão ao encontro do que é pedido tanto por empresas como por consumidores.
Os setores do retalho, da logística e da distribuição são os que necessitam de ser mais reforçados. E esse reforço tem de ser feito logo no início desta época festiva. Por outro lado, as empresas que atuam nas áreas da hotelaria e da restauração solicitam normalmente a contratação de trabalhadores temporários com a aproximação do fim do ano, altura em que se registam mais dormidas e jantares.
O presidente da APESPE-RH defende que o trabalho temporário é uma “excelente oportunidade tanto para empresas como para os trabalhadores”. O caráter precário do vínculo, neste caso, é desvalorizado. “Prefiro olhar por outro prisma”, afirma, acrescentando que “a remuneração média do trabalho temporário está muito alinhada com a remuneração média a nível nacional, ou seja, não existem diferenças”. “O trabalho temporário é o último dos problemas do emprego em Portugal”, diz, “sobretudo se o compararmos com outras situações bem mais precárias, como os recibos verdes ou os trabalhadores sem qualquer tipo de contrato”.
A opção pelo emprego temporário é, este ano, reforçada pelo crescimento do nível de confiança dos consumidores, uma tendência verificada desde abril e acentuada em novembro, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Também vários estudos apontam para um aumento dos gastos (ver páginas 14 e 15). E eventos como a implementação da Black Friday em Portugal dão um contributo para o aumento do consumo. De acordo com a Deloitte, assistiu-se nessa altura a um aumento de adesão na ordem dos 68%. Já o número de contratações temporárias tem vindo a estabilizar em comparação com os anos anteriores, embora o período dos vínculos se tenha alargado, fixando-se entre novembro e os primeiros dias do ano seguinte.
O certo é que a primeira quinzena de dezembro se mantém como o período preferido dos portugueses para a concretização das suas compras de Natal, permitindo aos estabelecimentos comerciais contarem, já nessa fase, com equipas de trabalho definidas e suficientemente sólidas.
Crescimento no natal contraria tendência de queda Atualmente, e embora não existam conclusões definitivas, estima-se em 150 mil o número de trabalhadores temporários em Portugal. Afonso Carvalho confirma os dados apurados sobre a contratação temporária nesta época natalícia, acrescentando que “as quatro mil contratações previstas vêm ao encontro dos registos de 2017 e 2018”, altura a partir da qual a APESPE-RH começou a publicar o seu barómetro interno.
De acordo com os documentos a que o i teve acesso, o emprego temporário reflete um aumento entre 5% e 10% dos pedidos dos clientes dos associados da APESPE-RH, confirmando um crescimento da atividade entre novembro e dezembro. Este aumento surge, porém, em contraciclo, uma vez que este tipo de vínculo caiu, em termos homólogos, ao longo de todos os outros meses de 2019.
Segundo o responsável, esta diminuição explica-se por “uma redução, verificada nos últimos meses, da atividade exportadora das empresas portuguesas, em particular no setor automóvel, o que também acaba sempre por influenciar a atividade das empresas de logística”. Esse fator não indica necessariamente um aumento do desemprego, pois outra razão apontada prende-se com “a crescente escassez de recursos humanos, que tem levado as empresas a sentir, cada vez mais, uma necessidade de reter ou absorver profissionais que, anteriormente, se encontravam apenas em regime temporário”.
Afonso Carvalho indica que “esta tendência não se tem notado apenas no mercado do emprego nacional ou europeu mas, acima de tudo, mundial”.