Os Estados Unidos da América são um repositório de liberdades, de diversidade e de determinação na afirmação das vontades que admiro. Como em todas as realidades com evidentes dimensões positivas, existe o risco de emergirem dimensões negativas, o que aconteceu na história e acontece no presente. O problema é que pelo seu posicionamento global, o que acontece na política norte-americana nunca é apenas um assunto da órbita doméstica. É claro que a emergência e eleição de Donald Trump deu expressão a um sentir e a uma realidade doméstica, mas o mundo está a pagar uma fatura que é incompatível com o património histórico e o posicionamento global dos Estados Unidos. O tempo mudou e o mundo também. Pela emergência de outras potências, na economia ou na afirmação das novas realidades digitais e tecnológicas, não será mais possível querer ser a potência de referência sem o correspondente investimento para assegurar a predominância. Em relação a muitas realidades, o Presidente Trump não pode achar que pode dizer “don’t do it” só porque lhe apetece. É que, na ausência de compromisso e investimento, outros assumirão esse posicionamento proativo e positivo, com prejuízo para a relevância americana no mundo. É claro que para consumo interno, daquela massa de cidadãos norte-americanos sintonizados com a fanfarronice, leviandade e plástica rural do Iowa, o registo serve, mas é um desastre mundial consequente. O mundo perde quando ele sai dos acordos de Paris e com o Irão, mas os Estados Unidos também perdem. Pode não perder Trump, no seu compromisso com o umbigo e com o seu potencial eleitoral, mas o “don’t do it” não serve verdadeiramente ninguém. O mundo mudou. Os Estados Unidos não podem achar que podem dizer não querer os chineses no Porto de Sines ou na infraestrutura tecnológica do 5G e não se chegarem à frente com uma solução. Os Estados Unidos estiveram quase sempre do lado da solução ou da pretensa solução; com Trump, colocam-se quase sempre do lado do problema. “Don’t do it” não é resposta, como se costuma dizer às crianças, num mundo a precisar que se faça, que se conserte e que se recomponham direitos, liberdades e garantias de forma sustentável. O problema é que o “do it” americano converteu-se no “dont’t do it” ou “do it wrong”, como atestam tantas ações do atual Presidente, incluindo as que estão a suscitar um processo de destituição.
Esteve bem o Governo português a reagir ao “don’t do it” do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, em relação à possibilidade de presença dos chineses no alargamento do Porto de Sines, agora que o canal do Panamá está alargado, com um apelo a que as empresas norte-americanas venham a concurso para dar expressão consequente a um “do it” tão presente noutros tempos. O mesmo se aplica à Base das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores, onde o desinvestimento norte-americano tem implicações muito relevantes naquela comunidade e na qualidade de vida. Não querer a presença oriental nas Lajes implica um “do it” americano. Afinal, nestas questões não se está a concretizar nada de diferente da doutrina Trump para o mundo: se querem, paguem. Foi assim que fez na NATO (“querem segurança, paguem-na”), é assim que deve fazer quando quer alguma coisa.
O curioso é quando o “don’t do it” é assumido pelo hiperativo Presidente da República Portuguesa numa matéria como a regionalização. Marcelo, que fala sobre tudo, a todas as horas, mas não quis ir ao desembarque de Greta para não usurpar protagonismo, anunciou oposição à ideia de se avançar com o debate e a reavaliação da regionalização como modelo organizativo e de aproximação às pessoas e aos territórios. O “don’t do it” de Marcelo é similar aos de Trump, uma espécie de não faz nem deixa fazer. A regionalização é um instrumento possível para prosseguir o que anos de democracia, de Governos e de Presidentes da República não conseguiram, que as decisões e os recursos estejam mais próximos e em sintonia com os territórios que, por regra, não têm tido a atenção consequente que deviam. Marcelo brandiu um “don’t do it”, mas tem sido conivente com todas as inações que persistem em relação ao interior, apesar das narrativas e das intenções. A simpatia dos afetos, positiva para o aliviar das tensões da época da troika e do perfil da anterior Presidência, não é nem sustentável nem consequente. Alivia, mas não trata. Uma panorâmica dos serviços públicos e da situação dos territórios do interior sublinha essa realidade, que resulta de anos de inação e de problemas que persistem num quadro de grande convergência entre a Presidência e o Governo. São parceiros nos “do it”, mas também nos vários “don’t do it” ou dos prolíferos “do it later” dos últimos anos. Aliás, por via das cativações, tem-se assistido a uma preocupante convergência com esta deriva de Trump e de Marcelo, com o não fazer, no momento e enquanto for preciso compor a folha de Excel, a assumir centralidade no modelo de governação.
O “don’t do it” não é sustentável em Portugal como não o é no mundo. No quadro global frenético nos ritmos, complexo nas realidades e cada vez mais digitalizado, ficar parado não é solução, porque fica sempre alguém para trás ou porque ficamos todos para trás. É o que tem acontecido no interior, é o que tem acontecido com os Estados Unidos da América. Pode servir para consumo interno, não serve para o mundo em que vivemos. “Do it” agora.
NOTAS FINAIS
NÃO APRENDER. Alguns sportinguistas da estrutura da atual direção não aprendem, nem aprenderam com o passado. Em vez de se focarem no trabalho de casa, entretêm-se com ataques ao Sport Lisboa e Benfica, em linha com os tempos de subserviência do acordo com o Porto e de Bruno de Carvalho. E ao fim do dia, mais uma sentença judicial, ainda passível de recurso, que sublinha a excelência das soluções de idoneidade do passado recente: sete anos por assaltos a residências. Para início de comunicação, é um desastre. Mudem a realidade e o foco que talvez consigam. Deixem de fazer fretes ao Porto pela distração das atenções.
NÃO APROVEITAR. Certamente presos nos marasmos de quatro anos de amorfismo, os movimentos sociais e novos partidos parlamentares, tão enleados em crises, inações e adaptações, desperdiçaram a oportunidade da presença em Lisboa do secretário de Estado Mike Pompeo e do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para reafirmar as suas convicções ideológicas e políticas. No caso do Livre, poderia ter servido para fazer as pazes com a nova deputada, mas dava trabalho.
Escreve à segunda-feira