Marquês. Ivo Rosa tentou invalidar depoimentos de Salgado, mas Relação deu nega

Marquês. Ivo Rosa tentou invalidar depoimentos de Salgado, mas Relação deu nega


Juiz decidiu que depoimentos de Salgado no caso Monte Branco e GES/BES não poderiam ser usados como prova na Operação Marquês. MP recorreu e Relação de Lisboa anulou decisão do polémico juiz.


Ivo Rosa não queria que as declarações que Ricardo Salgado prestou no âmbito dos processos Monte Branco e GES fossem válidas para o caso Marquês, mas os desembargadores da Relação de Lisboa não hesitaram em desautorizar o juiz, acusando-o mesmo de estar a extravasar os seus poderes enquanto magistrado de uma fase de instrução.

Ricardo Salgado havia sido interrogado como arguido em julho de 2014 no âmbito do chamado caso Monte Branco e um ano depois na investigação ao caso GES/BES. Segundo o Ministério Público, cujo recurso está na origem da decisão da Relação a que o i teve acesso, os interrogatórios de 2014 e 2015 “foram transferidos” para a Operação Marquês “por se ter entendido serem relevantes uma vez que traduziam a evolução das respostas dadas pelo arguido Ricardo Salgado a um mesmo conjunto de questões que, ao longo do tempo, foram abordadas em diferentes inquéritos”. O MP lembra ainda no seu recurso, por exemplo, que no primeiro interrogatório o BES ainda não tinha caído e Salgado foi confrontado com “a utilização da entidade Enterprises Management e com a existência de várias contas no exterior, suas e [de] Helder Bataglia, tendo se pronunciado sobre a utilização e relacionamento do Grupo GES com as mesmas”.

 Para os investigadores ao tomar a decisão de considerar inválidos os depoimentos prestados noutros inquéritos, o juiz Ivo Rosa extrapolou “para a fase de instrução uma norma dirigida e integrada no regime de fase de julgamento”, ou seja, extravasou a sua competência de juiz de instrução.

Relação de Lisboa dá razão ao Ministério Público Chamados a julgar o recurso do Ministério Público, os desembargadores Cid Geraldo e Ana Sebastião concluíram que a fundamentação usada pelo juiz Ivo Rosa e o sentido da sua decisão não faziam sentido: “Importa ter em conta que ‘cada processo é um processo’, mantendo-se entre eles a sua ‘autonomia’, a não ser que haja uma ‘junção’, ‘apensação’ ou ‘‘incorporação’ processual. No caso presente, as declarações do arguido Ricardo Salgado, prestadas no inquérito 324/14.OTELSB [caso GES/BES], sobre a matéria das transferências financeiras e seus justificativos, dizem respeito à mesma matéria dos presentes autos e, nesta conformidade, estamos numa situação muito próxima duma ‘incorporação processual’”.

“Ou seja, como bem salienta o recorrente [o MP] a acusação deduzida nestes autos ‘absorveu’ esta matéria das transferências de fundos entre o GES e Zeinal Bava que, assim, deixou de constituir objeto do dito inquérito 324/14.OTELSB, pelo que, as declarações do arguido Ricardo Salgado, prestadas no inquérito 324/14.OTELSB, sobre esta matéria […] terão de considerar-se declarações prestadas ‘no processo’”, acrescentam ainda os juízes no acórdão datado de terça feira a que o i teve acesso.

Os juízes explicam ainda que caso não se utilizassem tais declarações na Operação Marquês, elas deixariam de ter relevância dado que a suposta prática de tais atos deixou de ser investigada no caso GES/BES a partir do momento em que passou a ser alvo do caso Marquês: “Mal se compreenderia, de facto – como bem salienta o recorrente – que, constatando-se em determinado momento a pendência de dois processos versando matéria parcialmente comum, em que o princípio ne bis in idem impõe o conhecimento dessa matéria comum num só processo, deixando o outro de ter tal matéria por objeto, não pudessem ser utilizadas como prova indiciária no processo que prevaleceu”.

Juízes arrasam Ivo Rosa e lembram que está na instrução Afirmando que não vislumbram “motivos para a decisão que recusou a utilização e valoração” das declarações que Salgado prestou noutros processos nesta fase de instrução do caso Marquês, os desembargadores, com dureza, ressaltam mesmo que a decisão de Ivo Rosa confunde “conceitos e possibilidades de prova, por não entender que, nesta fase de instrução, se trata de prova indiciária, sobrevalorizando, por outro lado, o elemento literal, sem querer perceber que está em causa um mesmo objeto de prova e não um mesmo processo”.

Concluem que ainda que “fosse correta a interpretação”que Ivo Rosa faz das normas, não se poderia ter “por correto o seu entendimento” de que da impossibilidade de usar declarações em julgamento “decorre a impossibilidade de valoração, em fase de instrução, como prova indiciária, de declarações anteriormente prestadas pelo arguido”.