Uma ave pousa num manto de lixo industrial com dezenas de metros de extensão. Passeia e vai comendo aquilo que encontra pela frente. Depois aparece uma máquina de arrasto amarela, daquelas que se veem nas obras, a misturar o lixo e a levar algum para outro lado. O animal sente-se ameaçado e voa para longe. Umas vezes volta, outras não. Multiplicando esta descrição por algumas dezenas de aves, chega-se ao estado em que está o aterro da Azambuja.
As dezenas de aves que andam livremente sobre os resíduos depositados no aterro da empresa Triaza – de tratamento de resíduos industriais – quase conseguem camuflar-se naquela mancha onde ordem não é palavra forte. As fotografias dão bem conta disso e no local é preciso alguma atenção para conseguir identificar as aves.
Tudo aquilo que está no aterro encontra-se já em estado de decomposição e liberta substâncias prejudiciais para a saúde das pessoas. É por isso que o facto de os animais andarem em cima do lixo constituiu um problema de saúde pública: estes animais circulam também nas zonas urbanas, deixando assim vestígios do aterro pelos sítios onde passam.
Contactada pelo i, a associação ambientalista Zero confirmou o cenário. A perigosidade existe, sobretudo porque em causa está um aterro que recebe resíduos biodegradáveis. Ou seja, a probabilidade de as aves levarem consigo compostos já em degradação para as zonas habitacionais é elevada. Rui Berkemeier, presidente da Zero, explicou que a situação “não é, de facto, aconselhável”, já que “as aves vão mexer nos resíduos, depois saem para outros sítios e podem levar vetores”.
Aterro perto de zona habitacional
Não é preciso ir até ao aterro para ver as aves a levantar voo – há quem tenha vista privilegiada da janela de sua casa. E isto porque o tratamento de resíduos industriais é feito a pouco mais de meio quilómetro de algumas habitações. Na vila da Azambuja são poucos os que não comentam o aterro que têm ao seu lado e as condições em que se encontra. “Todos sabem, mas querem enfiar a cabeça na areia”, diz o dono do bar Padre Cruz, enquanto serve um café. Sabem das descargas de amianto, denunciadas recentemente pela associação Zero, e falam também de outras descargas que dizem ser ilegais. “Não sabemos o que é, porque nunca ninguém disse, mas fala-se que são materiais perigosos que os outros países não querem”, acrescenta.
Além das descargas, as aves que teimam em pousar no lixo a céu aberto são parte dos temas de conversa. Uma das habitantes confessou até que ainda nem tinha comentado com ninguém a situação, “mas a quantidade de pássaros que anda lá é uma coisa impressionante”. “Não sei se isso quer dizer alguma coisa, mas que é estranho, é”, acrescentou.
O i tentou contactar a Câmara Municipal de Azambuja, mas até à hora de fecho desta edição não foi possível obter qualquer resposta.
Perigo que voa pelo país
A presença das gaivotas, por exemplo, em zonas urbanas começou a ser notada na década de 1990 e desde essa altura que a saúde pública tem sido um ponto discutido – mas pouco, sendo ainda um assunto debaixo do tapete. O Porto é a zona onde estes animais causam mais perturbações e, no final de outubro, além da Invicta, as cidades costeiras da Área Metropolitana do Porto – Gaia, Matosinhos, Espinho, Vila do Conde e Póvoa de Varzim – viram luz verde para o plano de controlo de gaivotas, cujo objetivo passa por reduzir a proliferação da espécie e impedir que as gaivotas passeiem alternadamente entre aterros e zonas urbanas.
Tal como acontece no município da Azambuja, também na Área Metropolitana do Porto existem aterros a céu aberto. Segundo um estudo feito em 2011 pelo Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, as gaivotas tanto estão num aterro repleto de lixo como a comer queques na Baixa da Invicta ou peixe na lota de Matosinhos. Braga também não escapa e, no centro da cidade, estas aves têm vindo a multiplicar-se. Procuram comida, mas são atraídas pelo mau cheiro, o que faz com que acabem, na maior parte das vezes, nos aterros a céu aberto ou nas lixeiras.
Este tema já chegou também à Assembleia da República pelas mãos do PAN. No início do ano, o partido liderado por André Silva propôs ao Governo a elaboração de um estudo a nível nacional para avaliar o estado das populações de gaivotas em meios urbanos costeiros. O PAN fala de espécies com capacidade de adaptação que “procuram alimento em lixeiras e aterros sanitários”. Além disso, outro aspeto importante e que contribuiu para a proliferação desta espécie é que “os meios urbanos não possuem muitas espécies de aves que possam competir com as gaivotas, fazendo com que estas encontrem inúmeros locais de abrigo e de reprodução, assim como muitas fontes de alimentação”, refere o documento assinado pelo líder do partido.