Funerárias com os dois olhos nos hospitais, certificados de óbito encomendados a médicos ou garagens que servem de câmaras frigoríficas são exemplos dados por quem conhece bem o setor funerário.
À partida, todas as funerárias têm de ter uma central logística onde está uma câmara frigorífica para acondicionar os corpos antes de seguirem para o velório. Segundo fontes de agências funerárias, algumas empresas fazem da sua garagem a central logística – sítio onde colocam os carros e uma câmara frigorífica improvisada. “Não tendo uma câmara frigorífica, têm um espaço onde colocam o cadáver”, revelou uma das fontes ao i, acrescentando que isto pode resultar num perigo para a saúde pública.
A falta de fiscalização é uma das falhas apontadas, já que esta lacuna permite que a lei seja contornada, numa tentativa de melhor negócio. E no leque da falta de fiscalização surge a relação hospital-funerária. Os casos são alguns e há quem já tenha apresentado queixa às autoridades e às administrações dos hospitais.
Em cidades mais pequenas há funerárias que mantêm uma relação de proximidade com enfermeiros ou com médicos. “Pagam e pagam bem, mas é difícil provar isto”, explica a mesma fonte, recordando o caso de uma empresa que mantinha escutas nas chamadas do INEM para saber a localização dos acidentes. Nesta história há profissionais de saúde que recebem dinheiro para avisar as funerárias cada vez que alguém morre. Fala-se muito no setor da morte que são muitos os hospitais que “colaboraram” com agências funerárias, mas ninguém consegue prová-lo.
As histórias multiplicam-se e a relação médico-funerária é também longa e não menos comum. Se uma pessoa com 90 anos morrer em casa e os bombeiros forem chamados ao local, os operacionais verificam o óbito mas não podem passar um certificado de óbito – trabalho exclusivo dos médicos. Segundo a Direção-Geral da Saúde, existe um princípio que diz que deverá ser o médico de família a assinar o certificado. Não sendo o médico de família, poderá ser o médico que teve o último contacto com a pessoa. Mas não sendo também possível esse médico, poderá ser outro qualquer. E é aqui que entram as funerárias, que indicam profissionais de saúde aos familiares para que o processo seja agilizado e seja dispensada a autópsia. Se a causa da morte só é apurada através da autópsia, então os certificados de óbito podem ser adulterados nestes casos, explicou outra fonte ao i.
Seguradoras querem negócio Já se sabe que o setor funerário não vai acabar e é por isso que têm sido constantes as tentativas das seguradoras para entrarem neste negócio. Confesso opositor desta prática das seguradoras é Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), que representa 600 empresas funerárias: “Falseia a livre concorrência e a livre capacidade de escolha”. E porquê? Caso seja subscrito um seguro para financiar a cerimónia fúnebre, à partida, a agência funerária já está escolhida pela seguradora. “No seguro automóvel, em caso de avaria chama-se o reboque. Alguém vai discutir qual é a empresa de reboques? Não. Nos funerais acontece a mesma coisa”, acrescentou.
Além disso, explicou Carlos Almeida, o valor do seguro aumenta à medida que a pessoa vai envelhecendo, já que o risco de morte é maior. Se, por algum motivo, a pessoa deixar de pagar, o valor já pago não lhe é devolvido e ninguém usufruiu de qualquer serviço. Ligada aos seguros, referiu Carlos Almeida, está a Servilusa, a empresa que presta serviços inovadores em Portugal e que representa cerca de 6% do total de serviços funerários em todo o país.
Vende-se T1 bem localizado
Novas formas de encarar a morte e cemitérios com campas pelas costuras trazem consigo diferentes formas de fazer negócio. Em 2016 foi pendurada uma placa num dos jazigos do cemitério de Tomar. Em letras garrafais, a Remax escreveu: “Vende-se”. E este é um negócio com tendência crescente – ou porque há cada vez mais jazigos abandonados ou porque as famílias precisam, efetivamente, de dinheiro. A Câmara Municipal de Tomar mandou, por questões de sensibilidade, retirar o anúncio.
Ao longo dos anos, a venda de jazigos tem-se espalhado pela internet, e em sites como o OLX ou a empresa Remax, de compra e venda de imóveis, é possível encontrar quatro paredes dentro de um cemitério. Os preços vão variando consoante a localização, a capacidade ou o estado de conservação. O cemitério do Alto de São João, em Lisboa, é onde aparecem os preços mais altos. Um jazigo construído em 1900 e com 15 metros quadrados, com capacidade para dez urnas, está ao alcance de 60 mil euros. E de um clique. Para carteiras menos recheadas há um jazigo no cemitério da Ajuda, também na capital, por metade do preço anterior. Neste caso, a capacidade é menor, mas ainda cabem oito urnas. Fora de Lisboa, as opções vão aparecendo – no Porto ou em Coimbra, os preços são mais atrativos.
Mas nem só de jazigos são feitas as vendas. Há também gavetões à venda no OLX. Dois gavetões no cemitério de São Domingos de Rana, Cascais, custam seis mil euros. “A estrear, totalmente novos e de excelente colocação para manutenção”, lê-se na descrição do vendedor.