O problema não é errar um número, o problema é não se resolver os “Tempos de espera” do SNS


O debate quinzenal desta semana foi dominado pelo tema da Saúde. De várias questões e lamentos da realidade atual do SNS, o parlamento assistiu ao Primeiro-ministro António Costa falhar, num caso específico, ao dizer que os tempos de espera de consultas estavam estáveis.


Aconteceu, durante a sessão plenária desta quarta-feira, após uma pergunta da líder parlamentar do CDS-PP, a deputada Cecília Meireles, que criticava o tempo de espera para a primeira consulta de cardiologia ser de 1.482 dias no hospital Padre Américo que faz parte do Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa. António Costa contestou, erradamente, este dado, e afirmou que se encontrava “desatualizado” e que o número certo seria de 593 dias.

Após o erro, o Ministério da Saúde assumiu prontamente o lapso de ter informado mal o Primeiro-ministro quanto ao tempo de espera para a consulta de cardiologia no Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa.

Assim, quatro horas depois da afirmação de António Costa, assegurava o Ministério da Saúde em comunicado público e oficial que, afinal, o número “593” não era referente ao número de dias mas sim ao número de doentes à espera de primeira consulta de cardiologia há mais de um ano.

Mas vamos analisar o global e não apenas um exemplo.

Quanto tempo se espera por uma operação em Portugal? Podemos saber. Os indicadores são publicados nas plataformas de transparência – que são uma boa medida – do Ministério da Saúde. Qualquer pessoa pode analisar e tirar as suas conclusões.

Vamos então ver os números que temos mas, globalmente, é difícil não se assumir que o acesso a cirurgias piorou na maioria dos hospitais mesmo tendo o SNS registado mais operações este ano.

Sim, tivemos mais cirurgias em 2019 do que tínhamos registado em 2018. Houve ainda um aumento das consultas externas nos hospitais para além das cirurgias face ao ano passado, falamos de uma subida de 1,7% nas consultas e uma subida de 4,2% nas cirurgias. Mesmo assim, o acesso a um bloco operatório piorou. Pelo menos é isso que todos os números nos dizem.

Segundo dados disponibilizados na semana passada, na plataforma de transparência do Ministério da Saúde, em agosto, o número de doentes à espera de uma cirurgia com tempos superiores ao prazo máximo previsto na lei (180 dias no caso de operações de prioridade normal, sendo o tempo inferior para as operações prioritárias e oncológicas) tinha ultrapassado pela primeira vez os 50 mil portugueses.

Sobre o caso das cirurgias oncológicas é importante assinalar que os prazos de resposta são forçosamente mais curtos. Falamos de tempos entre as 72 horas e os 60 dias após a indicação clínica, dependendo da prioridade definida pela equipa médica.

Voltando a analisar os números públicos sobre os tempos de espera, em setembro deste ano, o número de doentes em lista de espera para cirurgia havia diminuído de 245 mil para 243 mil pessoas. Tínhamos ainda um número de pessoas à espera para além dos prazos legais a baixar para 49 mil. Números, mesmo assim, superiores em 15% face ao mês de janeiro.

Uma nota para relembrar que, para colmatar estes problemas que o SNS atravessa, podemos ajuizar outras alternativas existentes. Há a hipótese que o Ministério da Saúde oferece aos doentes de serem operados noutros hospitais do SNS ou ainda de utilizarem o “vale-cirurgia” para serem operados em hospitais do setor privado quando estão à espera por mais de 75% do tempo recomendado clinicamente.

Sobre estas possibilidades, através dos esmagadores exemplos que são tornados públicos e das declarações dos dirigentes hospitalares podemos dizer que são apenas, de facto, meras “hipóteses” porque na realidade não funcionam como solução estrutural. Em 2019 foram poucos os doentes a utilizarem efetivamente estas hipóteses porque, em primeira instância, a maioria dos doentes não aceita ser transferida para outros hospitais e, por exemplo ao nível oncológico, há conhecimento público de muitos casos de recusa de cirurgia pelos próprios prestadores do serviço.

Dos números públicos fornecidos pelo Ministério da Saúde podemos ver que das 46 unidades hospitalares do SNS, apenas 16 melhoraram ou mantiveram o nível de cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos. Dentro das restantes 30 unidades a capacidade de resposta piorou.

Creio que não necessitamos de ser um “Às da Matemática” para se perceber que é uma avaliação negativa, na globalidade, sobre o cumprimento dos tempos máximos destas unidades hospitalares.

Em suma, o pior que podemos ter não é o «mini-caso» do Primeiro-ministro errar um tempo de espera. O pior que o SNS pode atravessar é, isso sim, a perpetuação da inércia de um ministério sobre o planeamento e estruturação política que dê resposta a este caminho do setor da saúde. É a clara ausência de reformulação na política de pessoal, por exemplo.

Hoje podemos dizer que assistimos a uma clara esquizofrenia política a este nível. É reconhecido por todas as partes que há limitações de contratação de pessoal, seja de médicos e enfermeiros mas também de assistentes operacionais, mas ao mesmo tempo temos de ter os próprios hospitais a recorrem a trabalho extraordinário e prestações de serviço. Não era mais fácil reformular e aplicar novas medidas, mais liberais, na contratação de pessoal? Não ganharíamos em gestão hospitalar mas sobretudo na prestação de cuidados de saúde aos nossos doentes?

A ausência de novas medidas nunca irá debelar as dificuldades de contratação de pessoal e nunca irá atenuar, por exemplo, os casos de Greves que diminuem quase sempre a atividade de qualquer bloco operatório.

O Governo cativador de António Costa assumiu a sua preferência. É decisão política e é com isto que os portugueses podem contar. Temos um Governo que prefere manter uma “mordaça” na contratação de pessoal, com um Ministério da Saúde que é uma espécie submissa às decisões do Ministério das Finanças que só tem olhos para a sua "almofada financeira”.

Sim, são as mesmas cativações que enchem a “almofada financeira” que faz brilhar Portugal com valores de défices baixos, alegremente repetido como “o mais baixo da democracia portuguesa”, mas que claramente ofuscam a qualidade do SNS por falta de investimento que fica retido precisamente nessa rica “almofada” de Mário «Patinhas» Centeno.

A nível demográfico, que é um fator a ter em conta e importante para estudar e prever o futuro próximo, sabemos todos que Portugal está envelhecido. Temos de ter consciência de que juntamente a este envelhecimento populacional há uma maior procura cirúrgica e uma consequente maior pressão sobre o SNS.

Primordialmente, temos de saber que não é na inércia ministerial de hoje que se irá resolver a eficiência nos tempos de espera.

Temos excesso de tempo. Excesso de “tempo de espera” para se ter horas para pensar em como podemos conseguir aumentar a atividade cirúrgica (com mais dias? Incluindo o sábado?), pensar na possibilidade de retomar os contratos em exclusividade com o SNS ou ainda para se refletir de que forma se poderá fixar permanentemente os internos que terminam a sua especialidade.

Há tempo. Mas que não seja um novo “tempo de espera” para se ter soluções para este SNS de hoje.

 


O problema não é errar um número, o problema é não se resolver os “Tempos de espera” do SNS


O debate quinzenal desta semana foi dominado pelo tema da Saúde. De várias questões e lamentos da realidade atual do SNS, o parlamento assistiu ao Primeiro-ministro António Costa falhar, num caso específico, ao dizer que os tempos de espera de consultas estavam estáveis.


Aconteceu, durante a sessão plenária desta quarta-feira, após uma pergunta da líder parlamentar do CDS-PP, a deputada Cecília Meireles, que criticava o tempo de espera para a primeira consulta de cardiologia ser de 1.482 dias no hospital Padre Américo que faz parte do Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa. António Costa contestou, erradamente, este dado, e afirmou que se encontrava “desatualizado” e que o número certo seria de 593 dias.

Após o erro, o Ministério da Saúde assumiu prontamente o lapso de ter informado mal o Primeiro-ministro quanto ao tempo de espera para a consulta de cardiologia no Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa.

Assim, quatro horas depois da afirmação de António Costa, assegurava o Ministério da Saúde em comunicado público e oficial que, afinal, o número “593” não era referente ao número de dias mas sim ao número de doentes à espera de primeira consulta de cardiologia há mais de um ano.

Mas vamos analisar o global e não apenas um exemplo.

Quanto tempo se espera por uma operação em Portugal? Podemos saber. Os indicadores são publicados nas plataformas de transparência – que são uma boa medida – do Ministério da Saúde. Qualquer pessoa pode analisar e tirar as suas conclusões.

Vamos então ver os números que temos mas, globalmente, é difícil não se assumir que o acesso a cirurgias piorou na maioria dos hospitais mesmo tendo o SNS registado mais operações este ano.

Sim, tivemos mais cirurgias em 2019 do que tínhamos registado em 2018. Houve ainda um aumento das consultas externas nos hospitais para além das cirurgias face ao ano passado, falamos de uma subida de 1,7% nas consultas e uma subida de 4,2% nas cirurgias. Mesmo assim, o acesso a um bloco operatório piorou. Pelo menos é isso que todos os números nos dizem.

Segundo dados disponibilizados na semana passada, na plataforma de transparência do Ministério da Saúde, em agosto, o número de doentes à espera de uma cirurgia com tempos superiores ao prazo máximo previsto na lei (180 dias no caso de operações de prioridade normal, sendo o tempo inferior para as operações prioritárias e oncológicas) tinha ultrapassado pela primeira vez os 50 mil portugueses.

Sobre o caso das cirurgias oncológicas é importante assinalar que os prazos de resposta são forçosamente mais curtos. Falamos de tempos entre as 72 horas e os 60 dias após a indicação clínica, dependendo da prioridade definida pela equipa médica.

Voltando a analisar os números públicos sobre os tempos de espera, em setembro deste ano, o número de doentes em lista de espera para cirurgia havia diminuído de 245 mil para 243 mil pessoas. Tínhamos ainda um número de pessoas à espera para além dos prazos legais a baixar para 49 mil. Números, mesmo assim, superiores em 15% face ao mês de janeiro.

Uma nota para relembrar que, para colmatar estes problemas que o SNS atravessa, podemos ajuizar outras alternativas existentes. Há a hipótese que o Ministério da Saúde oferece aos doentes de serem operados noutros hospitais do SNS ou ainda de utilizarem o “vale-cirurgia” para serem operados em hospitais do setor privado quando estão à espera por mais de 75% do tempo recomendado clinicamente.

Sobre estas possibilidades, através dos esmagadores exemplos que são tornados públicos e das declarações dos dirigentes hospitalares podemos dizer que são apenas, de facto, meras “hipóteses” porque na realidade não funcionam como solução estrutural. Em 2019 foram poucos os doentes a utilizarem efetivamente estas hipóteses porque, em primeira instância, a maioria dos doentes não aceita ser transferida para outros hospitais e, por exemplo ao nível oncológico, há conhecimento público de muitos casos de recusa de cirurgia pelos próprios prestadores do serviço.

Dos números públicos fornecidos pelo Ministério da Saúde podemos ver que das 46 unidades hospitalares do SNS, apenas 16 melhoraram ou mantiveram o nível de cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos. Dentro das restantes 30 unidades a capacidade de resposta piorou.

Creio que não necessitamos de ser um “Às da Matemática” para se perceber que é uma avaliação negativa, na globalidade, sobre o cumprimento dos tempos máximos destas unidades hospitalares.

Em suma, o pior que podemos ter não é o «mini-caso» do Primeiro-ministro errar um tempo de espera. O pior que o SNS pode atravessar é, isso sim, a perpetuação da inércia de um ministério sobre o planeamento e estruturação política que dê resposta a este caminho do setor da saúde. É a clara ausência de reformulação na política de pessoal, por exemplo.

Hoje podemos dizer que assistimos a uma clara esquizofrenia política a este nível. É reconhecido por todas as partes que há limitações de contratação de pessoal, seja de médicos e enfermeiros mas também de assistentes operacionais, mas ao mesmo tempo temos de ter os próprios hospitais a recorrem a trabalho extraordinário e prestações de serviço. Não era mais fácil reformular e aplicar novas medidas, mais liberais, na contratação de pessoal? Não ganharíamos em gestão hospitalar mas sobretudo na prestação de cuidados de saúde aos nossos doentes?

A ausência de novas medidas nunca irá debelar as dificuldades de contratação de pessoal e nunca irá atenuar, por exemplo, os casos de Greves que diminuem quase sempre a atividade de qualquer bloco operatório.

O Governo cativador de António Costa assumiu a sua preferência. É decisão política e é com isto que os portugueses podem contar. Temos um Governo que prefere manter uma “mordaça” na contratação de pessoal, com um Ministério da Saúde que é uma espécie submissa às decisões do Ministério das Finanças que só tem olhos para a sua "almofada financeira”.

Sim, são as mesmas cativações que enchem a “almofada financeira” que faz brilhar Portugal com valores de défices baixos, alegremente repetido como “o mais baixo da democracia portuguesa”, mas que claramente ofuscam a qualidade do SNS por falta de investimento que fica retido precisamente nessa rica “almofada” de Mário «Patinhas» Centeno.

A nível demográfico, que é um fator a ter em conta e importante para estudar e prever o futuro próximo, sabemos todos que Portugal está envelhecido. Temos de ter consciência de que juntamente a este envelhecimento populacional há uma maior procura cirúrgica e uma consequente maior pressão sobre o SNS.

Primordialmente, temos de saber que não é na inércia ministerial de hoje que se irá resolver a eficiência nos tempos de espera.

Temos excesso de tempo. Excesso de “tempo de espera” para se ter horas para pensar em como podemos conseguir aumentar a atividade cirúrgica (com mais dias? Incluindo o sábado?), pensar na possibilidade de retomar os contratos em exclusividade com o SNS ou ainda para se refletir de que forma se poderá fixar permanentemente os internos que terminam a sua especialidade.

Há tempo. Mas que não seja um novo “tempo de espera” para se ter soluções para este SNS de hoje.