Na próxima terça-feira, a NATO celebrará em Londres o 70.o aniversário. O local foi escolhido ainda Theresa May era primeira-ministra e o Brexit se dava por concluído a breve trecho. Por esta segunda razão, a escolha de Londres fazia sentido, tornando claro que com a saída do Reino Unido da UE, 80% das despesas com defesa por parte dos 29 membros da NATO seriam provenientes de Estados que não integram a UE (essencialmente EUA, RU e Turquia). Londres serviria para serenar Trump, sempre imprevisível no disparo de tweets, e para retomar o discurso a favor da aliança transatlântica, nem que fosse na versão redux EUA-RU.
No entretanto, o RU está em campanha eleitoral em direcção às eleições de dia 12 de Dezembro, Trump autorizou via Twitter a invasão do norte da Síria pela Turquia e Macron declarou a “morte cerebral da NATO”. A festa foi reduzida a uma única sessão de trabalho entre chefes de Estado e de Governo, limitando ao máximo a possibilidade de desaguisados públicos. Trump, cada vez mais apertado pelo processo de impeachment e com uma campanha eleitoral em curso, não perderá a oportunidade de celebrar o sucesso dos ralhetes dirigidos aos europeus borlistas que se aproveitam do contribuinte americano para pagar a conta da defesa. Será praticamente impossível que não aproveite para mergulhar na campanha eleitoral britânica, louvando Boris Johnson e o seu Brexit. E já agendou em Londres um jantar de fund raising para a reeleição.
A NATO sobreviveu à Guerra Fria e às tentativas francesas de construir uma defesa europeia fora da Aliança. Com a chegada de Trump à Casa Branca, a dúvida quanto à continuação da NATO foi verbalizada pelo Presidente do único Estado-membro que garante os meios (orçamento, tropas, armas e vontade política) de defesa da Aliança. Esta ameaça, de par com o flectir de músculos russo, lançou o pânico na Europa de leste. Trump conseguirá da maioria dos aliados aquilo que quiser. Desde logo, o aumento da despesa com a defesa. Em Londres será anunciada a redução do contributo americano com os QG da NATO, que passará de 22% do orçamento para 16%, próximo da quota alemã de 14,8%, num orçamento anual de 2500 milhões de dólares. Simbólico mas irrelevante, considerando o volume do orçamento de defesa dos EUA (693 mil milhões de dólares para o ano de 2019).
O bafo do urso russo poderá fazer com que um conjunto de matérias que actualmente são geridas pela UE (espaço, energia, cibersegurança, segurança marítima) ou que poderiam ser mutualizadas pela UE (serviços de informação, equipamentos de defesa) passem a ser tratadas pela NATO, sob a batuta dos EUA. É contra esta ameaça e num cenário de sucesso do Brexit que devem ser interpretadas as declarações neogaullistas de Macron anunciando, pela enésima vez, a morte da NATO. O questionar da eficácia do artigo 5.o (a cláusula de legítima defesa colectiva) por Trump e por Macron tem um elemento comum. Trump joga com o medo europeu do vizinho russo, Macron está disponível para pactuar com Putin uma p arquitectura de segurança europeia.
Da cimeira de Londres sairá a decisão consensual, já aventada por alemães e franceses, de encomendar a um grupo de sábios o estudo dos elementos-base de um novo conceito estratégico da NATO, estudo a apresentar, et pour cause, depois das eleições nos EUA de Novembro de 2020. Na falta de candidatos portugueses viáveis para integrar o grupo dos sábios, todos ocupados noutras organizações internacionais, fica o modesto contributo para o título do estudo: “NATO at 70, divided we stand?”
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990