Marquês.  Santos Silva contradiz autor  de livro de Sócrates

Marquês. Santos Silva contradiz autor de livro de Sócrates


O segundo dia de interrogatório ficou marcado pelo apartamento de Paris e pelo cofre do BCP que estava em nome do advogado Gonçalo Trindade Ferreira, também arguido no caso.


Carlos Santos Silva desmentiu ontem o autor do livro de Sócrates, Domingos Farinho, garantindo que o dinheiro que lhe foi pago não foi para ajudar o ex-primeiro-ministro na elaboração da sua tese. O empresário terá explicado ao juiz Ivo Rosa que a contratação do professor catedrático através da empresa RMF aconteceu após indicação de José Sócrates, por aquele ser um ótimo advogado e um bom perito em mercados internacionais. O certo é que apesar dos mais de 80 mil euros pagos, Domingos Farinho não terá feito nenhum trabalho nessa área.

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Recorde-se que o docente universitário já havia admitido que os serviços que prestara foram de auxílio na elaboração da tese. “A colaboração baseava-se no envio por parte do engenheiro José Sócrates do que tinha escrito e eu discutia com ele aspetos de referência bibliográfica que ele tinha escrito, livros que ele tinha citado, sugeria mudanças na sistematização. É o trabalho normal de uma revisão formal de uma tese e uma espécie de orientação, pois era a primeira vez que ele fazia um trabalho académico e havia questões de como explicar as matérias, como sistematizar. Ele escrevia em bruto e eu dizia como fazer”, disse, adiantando aos investigadores: “O trabalho que realmente prestei e que me foi pedido foi a colaboração com o engenheiro José Sócrates relativamente à tese”. Quanto ao que consta no contrato – “prestação de serviços de apoio e assessoria na área jurídica, nomeadamente assegurando o apoio jurídico ao desenvolvimento empresarial” –, disse que esses serviços nunca foram prestados e que foram incluídos apenas “como algo que podia acontecer”.

Quanto à contratação do blogger António Peixoto, o empresário disse ontem que a mesma aconteceu por indicação de um responsável do AICEP e num momento em que precisava de alguém que o ajudasse a internacionalizar os seus interesses externos ao Grupo Lena.

Segundo Carlos Santos Silva nem um nem outro foram, por isso, contratados por José Sócrates de forma camuflada, como defende o Ministério Público.

 

O empréstimo da casa de Paris

Sobre o apartamento de Paris, Carlos Santos Silva terá dito ontem ao juiz Ivo Rosa que emprestou a casa de Paris ao amigo José Sócrates quando este foi estudar para a capital francesa, uma tese idêntica à do ex-primeiro-ministro. Segundo Santos Silva o contrato só foi celebrado em 2014 – dois anos após estar na habitação – por exigência de José Sócrates.

Questionado sobre se tal acontecera devido às notícias que davam conta de que o apartamento estava a ser investigado, Santos Silva rejeitou, mas admitiu que a motivação era precaver-se de qualquer questionamento futuro, algo que José Sócrates também havia dito no seu interrogatório.

Aliás, o ex-primeiro-ministro foi mais longe e disse que apesar de o contrato ter sido celebrado à posteriori – o que para o Ministério Público significa que fora forjado para enganar a investigação – não significava que não pretendesse pagar as mensalidades desde 2012. Bem pelo contrário, disse o ex-primeiro-ministro, adiantando, no entanto, que depois de tudo o que se passara nos últimos cinco anos, Santos Silva o informara de que não aceitaria receber os cerca de 18 mil euros de rendas. Até porque o empresário sempre se opusera, conta Sócrates, ao pagamento de tais rendas, talvez para não se maçar.

Ontem, Santos Silva disse ainda que depois das obras na casa tinha ideia de a alugar a terceiros, que não ao ex-governante, até porque a sua mulher pretendia que o apartamento fosse colocado no mercado. Algo que nunca terá dito até agora a Sócrates e que espera que não caia mal ao amigo.

Recorde-se que para o MP a casa de Paris pertencia a José Sócrates. Os investigadores baseiam-se inclusivamente em escutas em que Sócrates fala das obras como sendo o proprietário do imóvel.

 

As casas e o cofre do BCP

Quanto às casas que foram adquiridas por Carlos Santos Silva à mãe de José Sócrates, o empresário explicou que fora por intermédio do irmão do ex-primeiro-ministro que soube que as mesmas estavam à venda. E adiantou que foi Gonçalo Trindade Ferreira a representar as duas partes nesse negócio, ou seja, vendedores e compradores.

O ex-administrador do Grupo Lena terá voltado ainda a dizer ao juiz Ivo Rosa que pagava a lobistas no estrangeiro, justificando que era para isso que tinha dinheiro vivo num cofre do BCP – a caixa forte n.º 54 da agência Fonte Nova Prestige do Millenium BCP – em nome do advogado Gonçalo Trindade Ferreira. Disse ainda que o cofre ficara em nome do advogado, uma vez que a mulher não tinha disponibilidade para tal. Em julho de 2014, Gonçalo Trindade Ferreira alugou um cofre por indicação de Santos Silva para que fosse colocado lá dinheiro que o ex-administrador do Grupo Lena tinha num cofre do Barklays. Durante as buscas foram apreendidos 200 mil euros que estavam nesse cofre. A investigação acredita que o aluguer deste cofre em nome do advogado era para driblar os trabalhos do Ministério Público.

 

Sem declarações

Carlos Santos Silva voltou ontem a entrar no tribunal em silêncio. Na operação Marquês, o empresário está acusado de 33 crimes: um crime de corrupção passiva de titular de cargo político; um crime de corrupção ativa de titular de cargo político; 17 crimes de branqueamento de capitais; dez crimes de falsificação de documentos; três crimes de fraude fiscal qualificada; e um crime de fraude fiscal.