Carlos Santos Silva disse esta quarta-feira que sempre recebeu 50% de todas as empreitadas em dinheiro vivo, guardando as notas num cofre. A tese que Carlos Santos Silva já levava pronta para dar ao juiz Ivo Rosa é que foi com esse dinheiro que fez o negócio das salinas, em Angola, ou seja, que comprou a sua parte. Segundo o que sempre defendera o empresário amigo de Sócrates, 6,5 dos 23 milhões arrecadados na Suíça (e que o MP acredita serem de Sócrates) foram lucros que obteve com a venda da sua parte das salinas, ligadas à família de Sócrates – eram de um tio do antigo primeiro-ministro.
Porém, não há registos da compra, algo que Santos Silva justifica agora com o facto de ter pago a sua parte com dinheiro vivo que tinha num cofre. Do cofre terão saído pelo menos 200 mil euros.
Em momentos anteriores, o irmão de Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates, disse que não houve negócio, ou seja, que Santos Silva nunca fora sócio da família no negócio das salinas de Benguela, acrescentando que não conhecia sequer o empresário.
Uma investigação do semanário SOL em Angola, publicada em 2014, encontrou as salinas praticamente iguais, tendo recolhido vários testemunhos que também apontavam para a inexistência de qualquer negócio relacionado com Santos Silva.
Recorde-se que entre as explicações que Santos Silva deu ao juiz Carlos Alexandre (durante a investigação) para o surgimento de parte dos 23 milhões de euros no UBS, que o MP diz pertencerem a Sócrates, figura um alegado lucro de 6,5 milhões de euros com um negócio de salinas em Benguela, Angola, no qual seria sócio de António Pinto de Sousa – um tio do ex-primeiro-ministro que emigrou para aquele país na década de 50 (ver esquema ao lado).
Contudo, segundo o SOL noticiou, um dos filhos de Pinto de Sousa – de nome próprio António, tal como o pai – foi arrolado como testemunha e afirmou aos investigadores que Santos Silva nunca foi sócio de nenhuma exploração de salinas da família naquela região do litoral de Angola. O primo de Sócrates afirmou ainda que a única salina pertencente à família em Benguela acabou por ser vendida à Escom, empresa do Grupo Espírito Santo, e que também nunca teve Santos Silva como sócio.
Lucros com salinas ou luvas relativas à OPA da PT
Pedro Neto, antigo vice-presidente do BESI e administrador da Escom – sociedade fundada por Hélder Bataglia –, desmentiu durante a investigação Carlos Santos Silva.
Neto diz que esses 6,5 milhões nada têm a ver com este negócio. O ex-administrador do BESI admitiu também, no segundo interrogatório ao MP, ter feito vários contratos para encobrir pagamentos que tinham como objetivo ajudar no bloqueio da oferta pública de aquisição (OPA) da Sonae à Portugal Telecom (PT). Pedro Neto terá sido um dos peões utilizados por Ricardo Salgado para fazer passar dinheiro – nomeadamente através de uma offshore onde figurava como diretor, a Pinsong, que na realidade era uma sociedade controlada pela ES Enterprises, o saco azul do BES – ao então primeiro-ministro José Sócrates, para que este usasse a sua influência para travar a oferta pública de aquisição da telefónica portuguesa e apoiar a compra da operadora brasileira Oi.
Os RERT e o motivo dos levantamentos: fazer lóbi
Carlos Santos Silva disse ontem ao juiz Ivo Rosa que nunca falou com José Sócrates sobre a sua intenção de trazer para Portugal 23 milhões de euros, o que acabou por fazer beneficiando dos Regimes Excecionais de Regularização Tributária (RERT) i e ii, lançados pelo Executivo liderado por José Sócrates. Com estes mecanismos, Santos Silva conseguiu não só pagar impostos baixos como ainda não ter de justificar a origem dos fundos.
O empresário garantiu ontem no Tribunal Central de Instrução Criminal que a decisão do Executivo não foi feita para que dela beneficiasse, até porque nunca comentou com Sócrates que iria trazer os milhões da Suíça.
Quanto aos empréstimos e às entregas de dinheiro, Santos Silva afirmou que o ex-primeiro-ministro lhe pedia dinheiro e que, por isso, estava convencido de que Sócrates não tinha uma vida folgada. Sobre os levantamentos que fazia e que o MP considera que eram para fazer entregas a Sócrates, Santos Silva justificou que o objetivo dos levantamentos era fazer face às suas despesas pessoais e pagar a facilitadores no estrangeiro.
O empresário também terá afirmado que nunca falou com o amigo sobre o programa Parque Escolar nem sobre qualquer possibilidade de conceder benefícios ao Grupo Lena, pelo que rejeita a tese do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que aponta para o recebimento de subornos por parte de José Sócrates. Já sobre o negócio de Vale do Lobo, disse nada saber.
Santos Silva garantiu mesmo ao juiz Ivo Rosa que os milhões que o Ministério Público diz serem de Sócrates são, na verdade, seus. O empresário está acusado de 33 crimes: um crime de corrupção passiva de titular de cargo político; um crime de corrupção ativa de titular de cargo político; 17 crimes de branqueamento de capitais; dez crimes de falsificação de documentos; três crimes de fraude fiscal qualificada; e um crime de fraude fiscal.
Reações à porta do tribunal: Procurador em silêncio
O interrogatório de Carlos Santos Silva começou ontem – a diligência durou mais de cinco horas – e continuará hoje. O empresário entrou e saiu do tribunal sem prestar quaisquer declarações, tal como a sua advogada.
Já o advogado que representa Joaquim Barroca e o Grupo Lena, Castanheira Neves, disse à entrada que a sua expetativa para o interrogatório era de “absoluta tranquilidade”.
E confirmou ainda ter pedido para que Joaquim Paulo da Conceição, CEO do Grupo Lena, venha depor.
Já do lado da defesa de José Sócrates, Pedro Delille focou-se na transmissão televisiva dos interrogatórios, classificando-a como um “episódio pouco dignificante”. O advogado sugeriu ainda aos jornalistas que perguntassem ao Ministério Público o que pensa fazer perante a divulgação dos interrogatórios, ou se já estava a ser feito algo.
O procurador Rosário Teixeira, um dos últimos a chegar ao tribunal, disse apenas que não ia comentar o interrogatório, dado tratar-se do momento das defesas. Questionado sobre alegadas contradições de José Sócrates no último interrogatório, também disse igualmente que não comentaria.
O que disse Sócrates sobre “o dinheiro de Santos Silva"
No seu interrogatório, o ex-primeiro-ministro disse que sempre que ia de férias, a mãe lhe dava 10 mil euros, dinheiro que retirava de um cofre no qual tinha a herança do seu avô. Garantiu também que só a partir de 2013 é que Santos Silva começou a fazer-lhe empréstimos. E contou que entre o segundo semestre de 2011 e 2014 gastou em média 22 mil euros por mês, não 30 mil, como defende a acusação, concordando que os 12 500 euros que ganhava da Octapharma a partir de 2013 não eram suficientes para o pagamento das suas despesas mensais.
Perante o juiz Ivo Rosa, deixou claro que a tese de que teve uma vida de luxo em Paris não passa de uma “fantasia”. José Sócrates falou do seu amigo Carlos Santos Silva como um homem “honestíssimo” e descarta qualquer ligação pessoal à casa de Paris onde viveu.