Quem quer viver para sempre?


Há uma tensão entre longevidade e qualidade de vida. Mas tem de ser assim? A resposta dos especialistas é negativa.


Uma das músicas míticas dos britânicos Queen perguntava em 1986: “Who wants to live forever?” (Quem quer viver para sempre?)

Espantosamente, a noção de tempo de vida é hoje bem maior do que há apenas 30 anos.

Em tese, um ser humano já pode hoje viver até aos 120 anos. Vários países estimam que um terço dos bebés nascidos hoje cheguem aos 100 anos.

O envelhecimento é um dos desafios cruciais das cidades. E vem esta evocação dos Queen a propósito de uma iniciativa que se realizou no fim de semana, em Cascais, onde o tema da vida longa e boa e do envelhecimento foi tratado ao mais alto nível por académicos e políticos, arquitetos e profissionais de saúde, filósofos e especialistas em tecnologia.

O Encontro Luso-Espanhol para um Envelhecimento com Bem-Estar na Cidade, uma organização da Fundação D. Luís i, liderada por Salvato Teles de Menezes, e da Fundação Duques de Soria, ao abrigo de uma cooperação estreita e de laços históricos profundíssimos entre Cascais e a casa real espanhola, foi um desafio à nossa capacidade de encontrar respostas para o desafio que, mais cedo do que tarde, nos toca.

Antes de algumas ideias-chave, números que nos inquietam. Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa. Mais do que um em cada cinco portugueses têm 65 anos ou mais. Ou seja: perto de 21% da nossa população é considerada idosa. Essa população vive mais tempo: 80,62 anos é a esperança média de vida para o conjunto da população portuguesa.

Ora, ninguém duvida de que viver mais é bom. Importa, porém, saber se os nossos últimos anos são vividos com qualidade. Há uma tensão entre longevidade e qualidade de vida. Mas tem de ser assim? A resposta dos especialistas é negativa.

O avanço da idade é acompanhado pelo aumento de défices cognitivos e físicos que condicionam a liberdade e a qualidade de vida dos cidadãos. É precisamente aí que está o foco dos especialistas que passaram por Cascais. É nesse território que as políticas públicas têm de acentuar as suas respostas.

E com o avanço da tecnologia há até quem acredite que já nasceu o primeiro humano a chegar aos 150 anos, como assinalou João Relvas, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde.

Salvador Macip Maresma, professor do Departamento de Biologia Molecular e Celular da Universidade de Leicester e uma das estrelas do encontro, também tocou no assunto olhando pelo prisma da biologia do envelhecimento e controlo do envelhecimento celular. Para o catalão, não adianta aumentar a esperança de vida se as pessoas passarem os últimos 20 anos das suas vidas acamadas. O desafio é, por isso, viver mais com maior autonomia e liberdade.

Manuel Sobrinho Simões, professor emérito da Faculdade de Medicina do Porto, numa intervenção brilhante, colocou a tónica numa vida regrada desde a infância e no contributo de cada um para quebrar a solidão. Esse é, nas suas palavras, o problema que importa resolver com maior urgência. E as cidades têm uma palavra a dizer – acrescento eu.

Rui Valente, da Garrigues, e Adalberto Campos Fernandes, professor universitário e ex-ministro da Saúde, abordaram o tema da responsabilidade pública no envelhecimento e ensaiaram resposta a uma questão decisiva: com que meios pode, ou deve, o Estado estar presente para garantir o bem-estar dos idosos.

Arlindo Oliveira, professor do IST, elaborou sobre as novas tecnologias. Elas terão um papel decisivo na integração permanente dos idosos na comunidade, sobretudo no combate à solidão e à insegurança.

Uma ideia interessante, que vale a pena explorar, é a da hospitalização domiciliária. Muitos jovens há mais tempo acabam institucionalizados em unidades de saúde. Sem chão, sem contexto ou referências, importa encontrar soluções alternativas para este estado de vertigem. A hospitalização domiciliária permite compatibilizar o conforto do lar com os melhores cuidados de saúde, ao mesmo tempo que mantém as referências de sempre dos mais velhos. É uma solução que, dizem os especialistas, desonera a saúde pública, desanuvia os hospitais e mantém os laços vitais das pessoas com os seus ambientes.

Para terminar, a mobilidade foi outro dos temas debatidos.

Muito antes de o Governo lançar o passe metropolitano, uma ideia originária do meu partido, já Cascais tinha uma ambiciosa política de preços nos transportes, sobretudo para as populações nas extremidades da pirâmide demográfica. Tanto os mais velhos como os mais novos têm, de há anos a esta parte, uma mobilidade rodoviária gratuita – ou tendencialmente gratuita.

Certo dia estou de visita à freguesia de Alcabideche e há um senhor que me aborda. Agradece-me. Uma e outra vez. E eu não percebo porquê e pergunto a razão de tão efusiva saudação. “O passe, senhor presidente, o passe”. Percebi que o senhor João vivia só. E que o “passe”, nome vulgarmente dado ao nosso programa de mobilidade Mobi Cascais, lhe tinha permitido dar um pontapé na solidão. Com o cartão na mão, João conhece o concelho de lés a lés, vai a museus e anda a pé no paredão. Travou amizade com todos os motoristas da carreira que habitualmente usava para descer de Alcabideche a Cascais. Um exemplo, como há outros, de como as políticas públicas continuam a fazer a diferença positiva na vida dos cidadãos.

O envelhecimento traz enormes desafios para a cidade: a dificuldade de acesso a empregos, o aumento dos gastos em saúde e cuidado social, o isolamento, a ausência de cuidadores, a fragmentação das redes sociais e até alterações drásticas às receitas; por outro lado, são muitas as oportunidades a explorar: as novas tecnologias que autonomizam os idosos e que são colocadas ao serviço das pessoas, a reorganização de um espaço público com menos barreiras, a progressão da mobilidade gratuita, a inclusão de idosos e do seu capital de experiência em programas de mentoring e voluntariado.

Defender a longevidade com qualidade de vida tem de ser um objetivo político de primeira linha. Que seja o Estado, central e local, a liderar essas políticas, também não me oferece dúvidas. Porque é muito claro que as comunidades que não tratam dos seus idosos não têm futuro.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira