Conseguimos, no entanto, identificar um paralelismo entre este movimento zero e o surgimento do sindicato dos motoristas de matérias perigosas, também ele nascido de um suposto défice de representação entre os profissionais de determinado sector e as suas estruturas representativas. Facilmente constatamos que tal se deve a um afastamento entre representados e representantes – sindicatos e associações socioprofissionais – em que estes últimos, aparentemente, não têm tido o engenho para acompanhar o evoluir dos tempos e com isso vêm-se suplantados por estes novos protagonistas que agregam os descontentamentos anónimos e exacerbados que surgem nas redes sociais.
A questão é, porém, mais profunda que o surgimento destes grupos e o aproveitamento oportunista de um partido que tudo faz para crescer o seu eleitorado.
Desde os governos de Cavaco Silva que se tem diabolizado o serviço público e que a direita em Portugal, onde se inclui o PSD, tudo tem feito em nome da máxima “menos Estado, melhor Estado”. Esta narrativa foi fazendo o seu caminho no nosso país e contaminou, em tempos, também a ação política do Partido Socialista. Não poucas vezes vimos as manchetes dos tabloides a afirmar a existência de funcionários públicos a mais, a clamar pelo corte das chamadas “gorduras do Estado” (pleonasmo para despesas de funcionamento da administração pública) e até pela demagogia relativamente ao exagerado parque automóvel do Estado, sabendo-se de antemão que o grosso do parque automóvel do Estado são exatamente as viaturas afetas às forças de segurança.
Este corte “nas gorduras” ao longo de décadas levou-nos situações de défice de recursos humanos, redução das admissões, congelamento de carreiras, diminuição da renovação equipamentos e meios materiais e à degradação de instalações na administração pública. Vemos isso em todo o lado da CP, à Segurança Social passando pelo SNS, pela Justiça e também nas forças de segurança.
O Governo de António Costa tem acudido da forma que pode à situação presente, invertendo a política de décadas pontuada pelo anátema referido, ainda que de forma não tão rápida como todos desejaríamos, como se demonstra, pelos mais de 57 milhões de euros investidos em viaturas, nos 15 milhões de euros em armas, coletes e equipamentos de prevenção e na admissão de mais de 2.000 novos agentes da PSP e militares da GNR e mais de 4 mil promoções na PSP e 6 mil promoções na GNR.
Quero com isto dizer que tudo está bem? Não, não está, mas a afirmação que nada se fez, especialmente nestes últimos anos, atribuindo a responsabilidade a Eduardo Cabrita, também não é correta.
O exercício do poder político é também o exercício de uma gestão pública difícil quando não existe nenhuma árvore das patacas milagrosa e os recursos financeiros do Estado são escassos para tanto que há para fazer, o que não exime os responsáveis de tudo fazer para melhorar a situação.
É, pois, urgente encontrar um compromisso político claro e alargado para valorização de todos os milhares de polícias e GNR que diariamente desempenham as suas funções em prol da nossa segurança.
Rever tabelas remuneratórias é urgente (embora não seja problema exclusivo das forças de segurança) encontrando um novo modelo de financiamento para tal, acabando com o excessivo recurso aos gratificados, que acabam por ser os complementos salariais para os operacionais. Desenvolver um efetivo programa de reabilitação das infraestruturas afetas às forças de segurança, que em muitos casos não são dignas também é urgente.
A esquerda não pode, em função do surgimento de movimentos ligados à extrema direita dentro das reivindicações dos agentes e militares das forças de segurança, fugir do debate sério em torno da realidade das forças de segurança. Se o abandonar aos oportunistas é que é um mau serviço. A defesa das forças de segurança não é propriedade de ninguém é um dever de todos num estado de direito democrático.
Jurista