Fez ontem cinco anos que o país foi apanhado de surpresa com a detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, por “suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção”. O homem que governou o país durante seis anos, deu a primeira e única maioria absoluta ao PS e foi eleito várias vezes secretário-geral com mais de 90% dos votos ficou em prisão preventiva, na prisão de Évora, depois de ser detido no aeroporto de Lisboa.
A notícia caiu que nem uma bomba dentro do Partido Socialista. António Costa tinha acabado de ser eleito para a liderança e o processo judicial do ex-primeiro-ministro ameaçava tornar-se num problema sério. Mesmo assim, nos primeiros tempos, Sócrates contou com a solidariedade de muitos socialistas. Capoulas Santos, ex-ministro da Agricultura, foi o primeiro a visitá-lo na prisão de Évora e garantiu que acreditava na sua inocência. “Obviamente”, disse Capoulas, depois de visitar “um amigo”.
Edite Estrela também esteve entre os muitos socialistas que se deslocaram a Évora. À saída, a deputada socialista garantiu que acreditava na sua “inocência”.
Os tempos eram outros e Sócrates ainda recebia nesta altura várias manifestações de solidariedade das mais altas figuras do PS. “O meu testemunho em relação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates é de uma relação absolutamente impecável na defesa do interesse público, em todas as áreas em que trabalhei com ele. Faço esse testemunho aqui e faço esse testemunho em qualquer lugar. Não posso dizer mais do que isto, mas também não digo menos do que isto”, disse o presidente da câmara de Lisboa, Fernando Medina, em 2015, numa entrevista ao Público.
Ao mesmo tempo, os mais próximos promoviam almoços, jantares e outras iniciativas de apoio ao ex-primeiro-ministro. Mário Soares, Alberto Costa ou Mário Lino foram algumas das personalidades que participaram em eventos de solidariedade com o ex-líder socialista. Algumas destas iniciativas reuniram mais de 500 pessoas.
Com o tempo, Sócrates foi perdendo amigos e apoios. Muitos socialistas aproveitaram o caso Manuel Pinho para se distanciarem de Sócrates. João Galamba, amigo do ex-primeiro-ministro e atual secretário de Estado da Energia, foi um deles. “Já há hoje dados suficientes para que isto envergonhe o Partido Socialista. O facto de viver com dinheiro de um amigo não abona a favor dele. Tudo isso é inaceitável”, disse, em maio de 2018, o ex-porta-voz do PS.
Galamba não fez mais do que juntar-se a outros socialistas que se mostraram “envergonhados” com o caso Sócrates. Carlos César, Fernando Medina, Augusto Santos Silva e outros socialistas com peso distanciaram-se e deixaram Sócrates sozinho a reclamar a sua inocência. Uma atitude que nem todos apreciaram. “O que rejeito são estas posições públicas a bater numa pessoa que está caída. Acho indigno”, disse a ex-ministra Gabriela Canavilhas, num entrevista ao semanário SOL.
António Costa não esperou pelo desenrolar do processo para se distanciar. “Vai certamente lutar pelo que acredita ser a sua verdade”, disse o agora primeiro-ministro, após uma visita na cadeia de Évora. Assim que Sócrates foi detido, que coincidiu com a sua eleição para secretário-geral do PS, Costa enviou uma mensagem aos militantes a pedir para que não misturassem “os sentimentos de solidariedade” com a ação política do PS.
Sócrates percebeu que os tempos tinham mudado e decidiu abandonar o partido que liderou para “pôr fim a este embaraço mútuo”. Cinco anos depois de ter sido detido são poucos os que o defendem na praça pública e cada vez mais raras as aparições públicas. O “animal feroz” dedica hoje todas as energias a preparar a sua defesa. Quase sozinho e longe dos holofotes.