O que os pais gostavam  de ver mudar nas escolas

O que os pais gostavam de ver mudar nas escolas


Falta de funcionários nas escolas, problemas nas instalações, mudanças sucessivas de educadores e professores ao longo do percurso escolar. O i conversou com encarregados de educação sobre as dificuldades sentidas no dia-a-dia.


Os encarregados de educação querem sempre a melhor educação possível para os seus filhos e para isso são várias as questões por estes levantadas ao longo dos anos, desde a alimentação, o combate ao bullying e à violência, os resultados escolares, a sobrecarga de horário ou as valências extracurriculares disponibilizadas pelas escolas.

Os constantes problemas levantados pela classe docente e não docente têm vindo a fechar escolas de norte a sul do país neste ano letivo e há ainda muitas crianças sem todos os seus professores. Estas situações deixaram os encarregados de educação alarmados com a possibilidade dos filhos não terem aulas devido à falta de funcionários e diminuição dos níveis de segurança e vigilância.

Segundo Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), principal organismo representativo nacional dos encarregados de educação, hoje em dia as principais preocupações dos pais são de duas ordens: as preocupações físicas e estruturais e as preocupações logísticas.

Ao nível da primeira, o representante da CONFAP destaca a falta de assistentes operacionais como uma preocupação dos pais. “Temos andado a tentar remediar com a contratação precária e temporária e agora as autarquias e a tutela têm que tentar remediar esta situação. É uma preocupação para que todos os serviços possam funcionar com o tempo e a qualidade necessárias para o apoio das crianças que frequentam a escola”, explica.

Para além desta falta de funcionários, Jorge Ascenção destaca ainda a necessidade de uma melhoria generalizada das instalações físicas das escolas, considerando que os pais “estão muito preocupados com a qualidade do tempo que as crianças passam na escola, pelo que é necessário repensar o projeto educativo”.

A verdade é que não é preciso recuar muito no tempo para relembrar alturas em que as maiores queixas da parte dos encarregados de educação eram a questão dos manuais escolares reutilizáveis, a qualidade das refeições escolares ou até as preocupações em torno dos edifícios com presença de amianto, que tem estado a mobilizar a comunidade escolar. Questões que entram e saem da agenda e muitas vezes permanecem por resolver.

Já ao nível logístico e pedagógico, o presidente da CONFAP aponta a questão da avaliação dos alunos e do seu currículo como algo a melhorar. O mesmo considera que hoje “os nossos filhos passam demasiado tempo em aula” e que hoje os pais “estão muito preocupados com a qualidade desse tempo”. “Queremos que se trabalhe no sentido de potenciar todas as capacidades e talentos das crianças e despertar neles o interesse pela escola, que é algo que hoje falta em muitos estudantes”, afirma. “Isto deve-se em grande parte ao facto da grande maioria dos professores estar mais preocupado em ensinar, do que em educar, sendo os resultados o principal objetivo”, acrescenta.

“Aqui há muito caminho a percorrer, desde logo pelas famílias, que têm que perceber que é importante que os nossos filhos tenham boas notas sim, mas que para além disso adquiram um conjunto de valências, humanidades, que nós estando com eles pouco tempo não conseguimos desenvolver”, alerta Jorge Ascenção.

Desta maior consideração pelos resultados em detrimento da cidadania e humanidade advêm outras consequências. Jorge Ascenção considera que hoje há cada vez mais uma aposta da parte dos encarregados de educação em explicações e no ATL, “consequência de algum fracasso da resposta que a escola consegue dar e da da perceção, nem sempre correta, que os pais têm da escola”.

Dá o exemplo do ensino secundário, onde o que “interessa é ter a melhor nota possível, independentemente da tipologia do aluno”, devido ao “excesso da importância dos exames para a entrada no ensino superior”, ou mesmo do pré-escolar, onde “a escola muitas vezes não está adaptada aos horários das pessoas”, o que leva as famílias a recorrer à oferta, paga, de ateliês de tempos livres.

 

Problemas levam a mudar de lado

Jorge Coutinho é pai de duas crianças, um rapaz de 10 anos e uma rapariga de sete anos. Assume-se como um “defensor da escola pública”, mas este ano decidiu passar o seu filho do ensino público para o privado. Explica que o seu filho frequentou o ensino público até ao 4º ano de escolaridade, mas que os problemas foram tantos ao longo dos anos que decidiu mesmo fazer esse “esforço financeiro por forma a dar estabilidade” ao filho. “Em três anos da pré-escola conseguiu ter sete educadoras, para além de várias auxiliares diferentes”, lamenta. “Isto é inconcebível, para uma criança é muito mau, porque não há estabilidade nenhuma, especialmente numa idade em que as crianças se agarram muito a estas pessoas”, considera.

Para além desta questão durante a pré-escolaridade, o filho de Jorge teve ainda três professores distintos no 3º ano “e no 4º ano, como a professora tinha isenção de horários, chegavam a não ter qualquer tipo de acompanhamento nalguns dias”, acrescenta. “É necessário uma continuidade e não havendo, eles não sentem que existe um porto de abrigo. Este tipo de situações não vão tendo solução ano após ano”, explica.

“É um esforço muito grande colocá-lo numa escola privada, mas nós, pais, temos que pensar em tudo, pensar na estabilidade. No privado não há greves, não faltam funcionários e respondem rapidamente às necessidades, por forma a criar essa estabilidade”, acrescenta.

Apesar da instabilidade referida na situação do seu filho, Jorge Coutinho vai mantendo a sua filha mais nova no ensino público e deixa mesmo elogios à docente que a acompanha: “A minha filha continua no ensino público porque, apesar da escola onde ela está ter falta de funcionários, a professora é excelente e falta raramente. Tem sido muito dedicada”.

Este encarregado de educação não coloca de lado a hipótese de voltar a ter o seu filho no ensino público. Deixa contudo a ressalva que o mesmo só acontecerá quando “existam condições para tal”. “Se verificar que há estabilidade e estas situações estão resolvidas, volto a colocá-lo no ensino público, até porque sou defensor desse ensino”, conclui.

 

Escola não está pronta para todos

Carlos Monteiro é pai de três filhas, uma com 25 anos, outra com 22 e a última com 18. Todas elas têm necessidades especiais educativas e todas elas passaram, ou estão, no ensino público português.

Para além de encarregado de educação, Carlos Monteiro é presidente das Associações de Pais de Gondomar, no distrito do Porto, e explica que atualmente as crianças com necessidades especiais educativas representam “cerca de 11% das crianças”. Diz, no entanto, que deviam ser muitas mais, uma vez que questões como a dislexia, por exemplo, não entram para estas contas.

O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, estabelece os princípios e as normas que garantem a inclusão enquanto processo que visa responder à diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos, através do aumento da participação nos processos de aprendizagem e na vida da comunidade educativa.

Carlos considera que o ensino português não está preparado para crianças neste tipo de situações e que para elas funciona muito à base do “facilitismo”: “Fazem com que elas vão passando até aos 18 anos e assim passem da tutela do Ministério da Educação para o Ministério da Segurança Social. Apressam-nas e despacham-nas para que não sejam sua responsabilidade”.

As crianças com Necessidades Educativas Especiais são aquelas que podem necessitar de apoios e serviços de educação especial durante todo, ou parte, do seu percurso escolar, por forma a facilitar o seu desenvolvimento académico, pessoal e sócio emocional. É o caso de crianças com condições específicas como o autismo, a hiperatividade, as dificuldades de concentração, as dificuldades motoras, as dificuldades sensoriais, as dificuldades de aprendizagem e as dificuldades de compreensão e expressão, por exemplo.

No ano letivo de 2015/2016 existiam mais de 78 000 crianças e alunos com Necessidades Educativas Especiais, sendo que 99% dos quais se encontravam matriculadas em escolas regulares.

Este encarregado de educação, que foi diretor de um estabelecimento de ensino durante 17 anos, considera que o ensino português tenta generalizar cada criança, especialmente desde a implementação do Decreto-Lei n.º 54/2018 e desta questão da inclusão, quando “cada caso é um caso”.

Este é, de resto, um tópico com o qual Jorge Ascenção, presidente da CONFAP, concorda. “Temos hoje o defeito de achar que cada uma das crianças é que tem que se adaptar ao sistema, quando muitas vezes deve ser o sistema a adequar-se consoante as necessidades das crianças. Nós não vamos dizer a uma criança de cadeira de rodas para se adaptar às instalações da escola”. Um inquérito da Fenprof, divulgado ontem, mostra que o novo regime divide opiniões nas escolas: mais de dois terços dos professores considera que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais não melhorou com a nova lei, enquanto dois terços das direções escolares inquiridas tem a opinião contrária. Maior sensibilização foi um dos ganhos com o novo regime, mas carência de recursos humanos, falta de formação e maior burocracia são alguns dos pontos negativos.

 

Segurança não é consensual

A questão da segurança é um dos tópicos de maior relevância para um pai nos dias que correm. Especialmente se tivermos em conta que a escola é o espaço onde as crianças passam uma grande parte do seu tempo durante a semana e, ainda para mais, tendo em conta o conturbado início de ano letivo, onde foram relatados vários casos de violência na escola e onde a falta de funcionários tem sido notória.

Apesar dessa preocupação, Jorge Ascenção, Carlos Monteiro e Jorge Coutinho, têm perspetivas diferentes sobre este assunto. O presidente da CONFAP admite que se sabe que a “falta de assistentes operacionais aumenta a probabilidade haver conflito”, mas acredita que os pais ainda assim se sentem seguros em deixar os seus filhos nas escolas. “Existe sempre o risco de acontecer alguma coisa, não podemos correlacionar a falta de operacionais e o perigo, até porque as situações de violência que existiram neste início de ano foram ínfimas se tivermos em conta que estamos a falar de um universo de quase dois milhões de pessoas”

Por seu lado Carlos Monteiro considera que hoje a confiança depende do grau de conhecimento de um encarregado de educação do local onde vai deixar as suas crianças. Por último, Jorge Coutinho é mesmo o mais cético, admitindo mesmo não sentir essa segurança enquanto existir instabilidade e falta de profissionais.