Já não há margem para dúvidas. O salário mínimo nacional vai subir para os 635 euros a partir de 1 de janeiro e este aumento de 35 euros vai ser aprovado hoje em Conselho de Ministros. “Para o próximo ano, depois de termos consultado os parceiros sociais e ponderado as suas propostas, o Governo irá aprovar [na quinta-feira] em Conselho de Ministros o valor do salário mínimo, fixando-o em 635 euros. Trata-se de um aumento de 5,8%, adequado à situação económica e social que vivemos e perfeitamente compatível com o nosso objetivo de legislatura”, revelou ontem o primeiro-ministro, durante o debate quinzenal.
Este valor tinha sido apresentado, durante a manhã, em concertação social, com o Governo a comprometer-se a atingir como meta os 750 euros até 2023. No entanto, a evolução será decidida ano a ano. “Ouvimos os parceiros, as diferentes opiniões, e encontrámos aqui um equilíbrio. É o início de um caminho”, disse a ministra do Trabalho, acrescentando que a ideia é fazer “avaliações anuais para encontrarmos um valor para cada ano em função da evolução da economia”, explicou Ana Mendes Godinho.
Horas mais tarde, e perante os deputados, António Costa defendeu que “o salário mínimo é um importante instrumento de combate às desigualdades e de erradicação da pobreza no trabalho”, razão pela qual “não pode evoluir só com base na inflação e na melhoria da produtividade”.
E o primeiro-ministro não tem dúvidas: “Se assim fosse, o salário mínimo só cresceria 12% até 2023, atingindo os 672 euros. Ao assumirmos a ambição de atingir os 750 euros em 2023, damos expressão ao objetivo de vencer a situação de pobreza para um casal em que só um dos membros trabalha a 100% do tempo, para um casal com dois filhos em que cada um trabalha pelo menos 67% do tempo, e para uma família monoparental com um filho”, afirmou.
António Costa deixou ainda outra garantia ao afirmar que o seu Governo está a ir agora mais longe do que na anterior legislatura. “Se, nos últimos quatro anos, o salário mínimo aumentou 95 euros, nos próximos quatro aumentará 150 euros. O aumento de 19% na legislatura anterior, o maior ritmo de sempre, será agora superado por um aumento de 25%. No conjunto das duas legislaturas, o salário mínimo passará de 505 euros para 750 euros, isto é, terá um aumento de quase 50%”, afirmou.
Impacto no salário De acordo com as contas feitas pela consultora EY a que o i teve acesso, este aumento vai traduzir-se numa subida de 31,15 euros líquidos ao final do mês. Dividindo este valor por 30 dias dá pouco mais de um euro diário. No entanto, ele não irá ter qualquer implicação a nível do IRS, uma vez que o trabalhador vai continuar a estar isento do pagamento deste imposto. A explicação é simples: apesar da subida de 5,8%, o valor mensal vai continuar abaixo do mínimo de existência, que está atualmente fixado em 9150 euros anuais. Já em termos anuais, a alteração da remuneração mínima vai aumentar em 490 euros o montante bruto pago a cada pessoa, mas, em termos líquidos, o aumento será de 436 euros.
No entanto, essa subida terá impacto no desconto de 11% que é feito para a Segurança Social. A mesma simulação indica que com o salário mínimo fixado nos 600 euros, o desconto para a Segurança Social a cargo dos trabalhadores é de 66 euros por mês (924 euros por ano). Já com o novo valor de 635 euros, esse mesmo encargo irá passar para os 69,85 euros mensais (977,90 euros anuais).
Do lado das empresas, as mesmas simulações mostram que a atualização do SMN irá fazer com que o encargo mensal por trabalhador (que inclui o pagamento do salário mensal mais os 23,75% por conta da taxa social única) aumente dos atuais 742,5 euros para 785,81 euros. Em termos anuais, a empresa pagará mais 490 euros a cada trabalhador e mais 116,38 euros de TSU à Segurança Social.
O aumento da fatura das empresas que têm trabalhadores a auferir o salário mínimo será, porém, suavizado do lado do IRC, já que a subida do encargo com as remunerações é acompanhada por um aumento da poupança fiscal em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. De acordo com os cálculos da EY, tendo por base o universo de quase 756 mil pessoas que auferem o salário mínimo nacional, e tendo em conta o novo valor de 635 euros, a poupança fiscal em sede de IRC para as empresas irá ascender em 2020 a 1,87 mil milhões de euros, traduzindo um aumento de 103,13 milhões de euros face ao valor de 2019.
Reações Um dos tons mais críticos a este valor coube ao líder da CGTP. Arménio Carlos afirmou que “não houve um acordo, o que houve foi um desacordo”, uma vez que considera que a proposta foi assumida “unilateralmente” pelo Executivo.
Menos surpreendida ficou a UGT ao garantir que já estava à espera que fosse apresentado esse valor. “Se houvesse acordo para ser assinado, estava assinado. (…) O que o Governo apresentou era já esperado e por isso a UGT já tinha definido que os 635 euros eram a linha vermelha”, disse Carlos Silva.
Do lado das empresas, o argumento não convence. O presidente da CIP defende que “não pode haver dois pesos e duas medidas e que o Governo não pode colocar apenas as empresas no combate à desigualdade”, disse António Saraiva. Já em relação à meta de atingir os 750 euros até 2023, considera-a um “objetivo ambicioso”.
João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), discorda da metodologia do Governo e do valor: “Da nossa parte, discordamos da metodologia. Afirmámos que queríamos um acordo assente em indicadores económicos, mas o Governo assumiu o valor e não houve acordo”.
SMN em números O número de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional era de 755,9 mil em abril, de acordo com dados do anterior Governo, com base nas declarações de remunerações à Segurança Social. O número caiu 1,6% face ao mesmo período do ano anterior (menos 12 mil trabalhadores).
Nos primeiros quatro meses de 2019, a proporção de trabalhadores abrangidos pela remuneração mínima foi de 22,4%, um decréscimo de 0,6 pontos percentuais face ao mesmo período de 2018 e de 0,5 pontos percentuais face a igual período de 2017.
As mulheres representavam 51% do total de trabalhadores abrangidos pelo salário mínimo em abril de 2019 e os trabalhadores que não concluíram o ensino secundário representavam 49%.