“É relativamente comum acontecer na paleontologia”, explica Francisco Costa, cuja investigação em torno de um fóssil que estava armazenado no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), desde 1959, resultou na descoberta do esqueleto de estegossauro mais completa da Europa. “Quem o recolheu [o geólogo russo Georges Zbyszewski], estava a fazer estudos da cartografia geológica de todo Portugal e não teve tempo para estudar este dinossauro. Por isso é que ficou aqui guardado até agora. Até hoje ninguém tinha tido tempo. Tive sorte por ter-me calhado a mim.”
Desafiado por Octávio Mateus, professor de paleontologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e orientador científico de Francisco, que propôs ao seu pupilo o estudo deste espécime, Miragaia longicollum (pescoço longo), como parte da sua tese de mestrado, os resultados obtidos por Francisco nesta investigação foram ontem partilhados numa exaustiva publicação, de 124 páginas, na prestigiada revista científica Plos One.
Qual é realmente importância da descoberta? “O facto de ser o esqueleto mais completo entre qualquer outro em todo o continente, inevitavelmente, vem revelar muita coisa sobre a presença deste grupo no resto do continente. É como descobrirmos o primeiro leão completo em África”, exemplifica Francisco.
“No fundo está a mostrar que a espécie de dinossauro Miragaia longicollum é uma espécie válida e reconhecida”, afirma Octávio Mateus. “Esta espécie aparenta ter uma espécie irmã nos EUA que também se vai chamar Miragaia. É a primeira vez que temos um dinossauro que é reconhecido em Portugal e na Europa e é a primeira vez que vamos descobrir uma espécie irmã nos Estados Unidos.”
Em tom de brincadeira, o professor diz que “o mais espetacular [desta descoberta] é que é um fóssil descoberto em Peniche a alterar a perceção do conhecimento de um fóssil descoberto no Wyoming, nos Estados Unidos da América, há mais de 100 anos.” Este primo do Miragaia português era um grande mistério uma vez que o único espécime encontrado tinha sido destruído por uma inundação na década de 1920, só sobrevivendo algumas ilustrações dos seus ossos fossilizados. Esta descoberta, para além de revelar que no Período Jurássico Superior estes dois continentes estavam mais próximos do que se pensava, vem comprovar que a espécie portuguesa é um exemplar único.
“Os estegossauros são facilmente reconhecíveis pelas placas e os espinhos. O Miragaia, em particular, com cerca de 1,10 metros de comprimento, tem os maiores espinhos de qualquer dinossauro, diria até, que tem os maiores espinhos de qualquer animal que já existiu na história da Terra”, diz Francisco, explicando ainda como o Miragaia utilizava esta característica para se defender. “Os espinhos eram usados como arma de defesa contra os grandes predadores carnívoros que coexistiram com ele, nomeadamente o Torvosaurus gurneyi, o maior dinossauro carnívoro da Europa e que também vivia na Lourinhã”.
Apesar de no inicio do artigo o jovem paleontólogo falar da sorte que teve em receber este trabalho, os bons resultados resultaram da dedicação que este colocou no projeto e da forma como superou os complexos desafios que se apresentaram neste projeto.
“O fóssil estava coberto de rocha, tivemos que usar um micro martelo pneumático, no fundo, um martelo das obras, mas do tamanho de uma caneta, de modo a escavar toda a rocha à volta do osso”, conta Octávio.
“Esse foi o meu maior trabalho, um ano e meio para limpar todos esses sedimentos”, confessa Francisco, que começou o empreendimento em 2015. “Normalmente, este tipo de trabalhos demoram décadas a completar, mas eu consegui faze-lo em um ano e meio.”
Depois da limpeza, seguiu-se um trabalho de comparação anatómica bastante exaustivo, analisando todos os centímetros e detalhes dos ossos do estegossauro português com todas as espécies internacionais conhecidas. Apesar da complexidade desta tarefa, Francisco pretende continuar a realizar esta análise no seu doutoramento.
“Quero usar esta espécie como uma pedra de roseta [pedra descoberta no Egipto que continha um texto que se revelou fundamental para a decifração dos hieróglifos egípcios] para tentar completar o que não conhecemos dos outros espécimes. Estas espécies são muito comuns em Portugal e Espanha, mas sempre muito incompletas, encontramos uns ossinhos aqui outros ali. Mas com este é possível comparar com quase todos os estegossauros do resto da Europa, perceber o ecossistema da Europa e as trocas entre o nosso continente e a América.”
Questionado sobre se seria possível encontrar mais fósseis com este potencial no LNEG, Francisco Costa confirma que há alguns espécimes que estão a ser analisados. “Há mais um ou outro que estão a ser estudados, mas ao nível destes, um dinossauro completo, já não há mais nenhum. No entanto, em vez de ir procurar ao campo, voltar aos museus e reservas para estudar o que está guardado é algo que vale sempre a pena. Há muitas histórias que são descobertas assim”.