À sombra da Constituição de 1978, o reino de Espanha viveu num bipartidarismo quase perfeito, com uma alternância entre Governos de centro-esquerda (PSOE) e de centro-direita (PP). Mas nem sempre os Governos monopartidários alcançaram a maioria absoluta na Câmara dos Deputados, não obstante o generoso prémio de maioria concedido pelo sistema eleitoral espanhol ao partido mais votado. Várias vezes, quer o PSOE quer o PP conseguiram governar em maioria relativa apoiados pelos partidos autonómicos (em geral da Catalunha, mas também das Canárias e até do País Basco), comprando generosamente o apoio com o reforço das transferências financeiras do Estado central para as respectivas comunidades autónomas.
Uma análise fria veria neste método o ovo da serpente, fazendo cócegas financeiras às diversas “nacionalidades” reconhecidas pela Constituição de 1978 até que o autonomismo se sentisse com força para passar ao nacionalismo secessionista. Contra muitas previsões, tal não aconteceu no País Basco, onde o reforço de competências autonómicas foi de par com uma maioria sociológica a favor do abandono da luta armada por parte da ETA.
Já na Catalunha, o peso da história, o diferencial de riqueza per capita em relação à média nacional e o aventureirismo de uma nova classe política apostada no independentismo criaram as condições políticas objectivas para impossibilitar o apoio dos partidos catalães a qualquer dos dois maiores partidos, certamente ao PP, tido como verdugo das ambições autonómicas.
A questão catalã é também responsável pela atomização do sistema partidário ao nível nacional. Da Catalunha emergiu o Ciutadans, mais tarde “nacionalizado” como Ciudadanos, o terceiro maior partido saído das eleições de Abril deste ano e agora reduzido a 16-19 deputados, de acordo com as sondagens. Cavalgando a causa anti-independentista surgiu o Vox, que obteve na estreia nacional 24 deputados, em Abril deste ano, e que as sondagens dão como terceiro maior partido nas eleições do próximo domingo, com 39 a 44 deputados.
As sucessivas eleições (Dezembro de 2015, Junho de 2016, Abril de 2019) têm vindo a afunilar a discussão política em torno do tema da secessão da Catalunha e a tornar impossíveis Governos de coligação. Alguns partidos temem o abraço do urso do parceiro maioritário (caso dos Ciudadanos, que sonharam fazer uma OPA ao PP, ou do Podemos, que sonhou fazer o mesmo ao PSOE). Também PSOE e PP se mostram relutantes em acolher no Governo os novos partidos tidos por inexperientes, irresponsáveis ou potencialmente perigosos.
Domingo à noite, os resultados mostrarão, mais uma vez, a impossibilidade matemática de um Governo maioritário, seja a solo (PSOE ou PP), seja em coligação (PSOE/Podemos/Más País ou PP/Vox/Ciudadanos). A questão catalã inviabilizará o apoio expresso ou tácito ou sequer a abstenção por parte dos partidos autonomistas, a começar pelos catalães (não possuindo os restantes o número de deputados suficiente para garantir uma maioria parlamentar).
Em teoria, sobra a hipótese de uma grande coligação, conhecida em Portugal como bloco central, que unisse PSOE e PP. Mas não há nada que possa uni-los na circunstância presente, e certamente não em torno da melhor forma de lidar com a questão catalã.
Uma Espanha perdida no labirinto secessionista é uma Espanha paralisada que não conta nem para a União Europeia nem para Portugal. E essas são más notícias.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990