Aprovado o programa do Governo, olhe-se agora para o país e os seus problemas concretos


Há sinais preocupantes em muitos setores internos e há questões internacionais que importa não desvalorizar porque nos condicionam muito.


1. O programa do Governo foi despachado como convinha ao primeiro-ministro, ou seja, sem sobressaltos. Não houve rejeições e muito menos António Costa suscitou a confiança da câmara, nem ninguém o desafiou a tal. Rui Rio esteve bem nas suas duas primeiras intervenções no Parlamento, como reconheceram todos os analistas. Portugal, entretanto, está engripado, como é próprio da época. Há múltiplos sinais negativos, mas o irritante otimismo de António Costa mantém-se, embora com menos ostentação. A discussão do programa trouxe um Costa mais displicente e menos seguro, apesar de manter uma margem política de negociação bastante confortável e de ter sido pontualmente desafiador em relação ao Bloco. Costa tem, porém, razões para estar preocupado porque a situação económica, financeira e social se vai degradando impercetivelmente. Há setores que começam a derrapar, como é o caso do turismo, o grande fornecedor de emprego, mesmo mal pago. Impressiona a degradação da saúde, dos transportes, das estradas (vejam-se as dez mortes num fim de semana, o que também tem a ver com a degradação de pisos), das escolas, dos média, do património edificado, o abandono dos idosos, a falta de apoio à infância, o adiar da regulamentação da condição de cuidador informal, a ineficácia dos serviços públicos, a indiferença dos reguladores perante os abusos sobre os cidadãos e a degradação sistemática do ambiente, apesar de ser a referência de qualquer discurso. A luz verde condicionada ao aeroporto do Montijo era esperada nos termos em que foi dada. Resta saber se, efetivamente, as exigências vão mesmo ser aceites e executadas pela Vinci e quem vai verificá-las no terreno. Mais grave é a situação com Espanha à volta dos caudais dos rios. O Governo deixou andar. Agora está confrontado com a sua própria displicência, que permitiu os abusos de Madrid e está a criar situações gravíssimas em Portugal, as quais só podem agravar-se. Num contexto mais vasto, Portugal é dos países que podem ressentir-se fortemente da sistemática instabilidade espanhola, de um Brexit (seja ele radical ou negociado), de uma desaceleração da economia mundial com impacto na clientela dos vistos gold e de uma nova moda ecológica que põe em causa os voos curtos de avião, que são os que nos trazem o turismo de escapadinha, fundamento da reconstrução das cidades por via do alojamento local. As situações citadas traduzem bem a necessidade de termos um Governo ativo e altamente operacional.

2. Pelo lado da saúde, “habemus Presidente” para mais um mandato. Marcelo Rebelo de Sousa fez o cateterismo de que precisava e está são como um pero. Estão criadas as condições para poder decidir sobre uma recandidatura a um segundo mandato. Falta saber se quer mesmo e se acha útil. A conjuntura política de eventual instabilidade aponta para um papel reforçado do Presidente. É, pois, altíssima a probabilidade de se apresentar novamente. Mas se há pessoa imprevisível é o nosso Presidente da República.

3. Sempre que se fala em banca, as notícias são arrepiantes para os clientes. Há dias soube-se que, só em comissões, os clientes pagam diariamente 8 milhões e 800 mil euros. É o caminho da facilidade, como o foi o das rescisões, que são pagas pelos clientes e pelos contribuintes. Há muitos anos que Portugal não produz um banqueiro digno desse nome. Curioso é que a banca privada trouxe mais problemas do que a nacionalizada. Quem diria? Não admira que os países do leste onde supostamente reinam temíveis regimes de direita tenham começado por pôr na ordem os excessos da banca, de uma forma que nenhuma esquerda se atreveria a fazer.

4. O líder do Iniciativa Liberal (IL), Carlos Magalhães Pinto, deixou as funções e foi à vida dele, depois de ter falhado a eleição para deputado no Porto. Já João Cotrim Figueiredo foi eleito e faz sentido que seja ele a assumir a presidência da organização. O IL está agora confrontado com a fase de afirmação. É um trabalho lento e complexo para qualquer partido que nasce e logo conquista um lugar no Parlamento. Uma campanha bem feita é um sprint. Uma legislatura é uma maratona. São coisas profundamente diferentes.

5. O mundo está em sobressalto em muitos pontos. Há rebeliões que eclodem subitamente nos pontos mais distantes e improváveis. Como dizia recentemente o quotidiano francês Libération, muitos destes movimentos “encontram as suas origens na crise de 2008”. Citando ainda o jornal, “uma boa parte do povo pôs-se em movimento, por vezes massivamente, para exigir uma mudança democrática e igualitária”. É um facto: Haiti, Venezuela, Equador, Bolívia, Chile, Argentina, Guiné, Etiópia, Sudão, Egito, Líbano, Iraque, Índia, Argélia, Hong Kong, Espanha/Catalunha e França são países atravessados por súbitas movimentações e explosões sociais de gente com objetivos comuns e vestes semelhantes. Há uma globalização no protesto e não se pode limitar o que está a suceder à responsabilidade de grupos extremistas e minoritários. Existe um movimento um tanto inorgânico que se desenvolve por motivos concretos e explode nas ruas, muitas vezes com violência. Extraordinária é a circunstância de estes temas não serem tratados em Portugal quanto às suas causas e desenvolvimentos. Como se cá estivéssemos totalmente ao abrigo desse tipo de explosões. Achar que somos um povo de brandos costumes é um erro e uma impressão que o salazarismo nos deixou como herança, mas que a nossa história desmente.

6. Mais uma Web Summit em Lisboa. Muita gente, muitas ideias. Tem do bom e do inútil. O bom é a gente ativa e dinâmica a trocar ideias. O inútil é que faz subir os preços da cidade e que Tony Blair, um gigantesco pateta, venha falar aos presentes. Havia de ir à Líbia e ao Iraque explicar o que fez na cimeira dos Açores.

 

Escreve à quarta-feira