Web Summit. Um arranque  ‘à Óscares’  e muitos alertas

Web Summit. Um arranque ‘à Óscares’ e muitos alertas


Arrancou ontem a quarta edição daquele que é considerado o maior evento tecnológico do mundo. Edward Snowden era o nome mais esperado do dia, que terminou com (mais um) elogio a Lisboa.


“Matar a curiosidade”, “investir no networking”, “perceber como será o futuro”. Estes são alguns dos objetivos de quem passa pela Web Summit, que arrancou ontem em Lisboa e se prolonga até quinta-feira. E é destes curiosos e empreendedores que o maior evento tecnológico se alimenta – mais de 70 mil pessoas de 163 países estarão por estes dias no Parque das Nações, a tentar a sua sorte neste mundo altamente competitivo.

Ainda a cerimónia não ia a meio e foi dado o aviso: “quando o evento arrancar oficialmente, não se levantem do vosso lugar. Estão milhares de pessoas lá fora à espera de uma oportunidade para entrar” na Altice Arena, anunciou um dos membros da organização. Além disso, “devido a medidas de segurança de última hora implementadas pela polícia, o arranque da Web Summit sofreu um atraso de 15 minutos”, lia-se na nota enviada pela organização através da app oficial do evento.

Congestionamentos e atrasos à parte, Paddy Cosgrave fez questão de voltar a agradecer a Portugal por receber o evento de braços abertos… E em segurança. “Agradecemos à polícia portuguesa por trabalhar connosco de uma forma fantástica. As forças de segurança decidiram começar a recolher as mochilas para garantir a segurança no recinto”, explicou o CEO da Web Summit, justificando assim o caos que se gerou à porta da Altice Arena.

 

“Vocês estão a ser manipulados”

Mas a intervenção de Cosgrave foi o que menos chamou a atenção neste primeiro dia do evento – Edward Snowden era a figura que todos queriam ouvir. O ex-analista norte-americano que expôs o maior caso conhecido de invasão de privacidade deixou um aviso a todos os que se apoiam na tecnologia para encarar o futuro: “não é a informação que está a ser manipulada. Vocês é que estão”.

Recordando o momento em que, em 2013, decidiu denunciar o que se passava na CIA e a forma como cidadãos de todo o mundo estavam a ser controlados, Snowden disse que sentiu que “o público tinha de saber o que se estava a passar”. “Nunca estive bêbado, nunca fumei um charro. Eu era esse tipo de pessoa. Quando se vai trabalhar para a CIA é preciso fazer um juramento, não perante o Governo, mas sim perante a Constituição. Algum tempo depois, percebi que todas as pessoas eram espiadas a toda a hora”, recorda.

“Aquilo que me chamou a atenção foi que a recolha de informação estava muito diferente do que era. Antes, suspeitávamos de alguém e espiávamos essa pessoa específica. Em vez disso, começaram a ouvir tudo, de toda a gente, mesmo de pessoas que não tinham feito nada, só pelo facto de poder a vir ser útil”, contou o ex-analista, que reside atualmente na Rússia.

Edward Snowden diz que “ninguém numa posição de poder tentou travar” o que se estava a passar “porque beneficiavam com isso. A questão de hoje em dia é: o que fazemos quando a instituição mais poderosa na sociedade se torna a menos confiável para a sociedade?”, questionou.

O analista terminou o seu discurso alertando para o verdadeiro problema: “não é a informação recolhida que está a ser explorada. São as pessoas. Não é a informação que está a ser analisada e manipulada. Vocês é que estão a ser manipulados. A Internet é global, a lei não é a única coisa que vos pode proteger, a tecnologia não vos protege. A única maneira de se proteger a si é proteger todos”.

 

O mundo inteiro no bolso

E se uns apelam para que não se confie demasiado nos gigantes tecnológicos, outros dizem que o futuro passa, precisamente, por nos colocarmos nas mãos nos avanços que têm sido feitos.

Sem falar diretamente sobre a polémica em torno da relação da empresa com os EUA e o alegado caso de espionagem, o chairman da Huwaei aproveitou o palco principal da Web Summit para fazer a apologia da rede de quinta geração.

“Acredito que, no futuro, o 5G vai criar oportunidades únicas para empreendedores. O 5G e a Inteligência Artificial representam o ponto de mudança na tecnologia. Isto vai mudar as indústrias”, garantiu Guo Ping.

Numa rápida apresentação, o responsável da empresa chinesa deu alguns dados: até ao final do ano, deverão existir 60 redes comerciais 5G; um utilizador terá três vezes mais dados do que quem utilize 4G e existirão um milhão de ligações por quilómetro quadrado.

“Quero mostrar-vos uns casos de estudo. O 5G permitiu emissão em 8K de música em tempo real. O tempo para os dados serem recebidos e a velocidade desta rede permitiu tocar a música em dois locais em tempo real. As pessoas sentem-se como se estivessem sentadas no mesmo sítio”, exemplificou Guo Ping.

“Com o 5G é possível fazer manutenção em tempo real: durante uma inspeção, capacetes inteligentes equipados com 5G permitem que peritos possam falar com pessoas que estão fora do local em tempo real com vídeos em HD”, acrescenta o líder da Huawei, garantido que a gigante tecnológica chinesa está a apostar na criação de uma “nova era smart”.

 

Momento ‘à Óscares’

Um dos temas mais desenvolvidos durante a Web Summit é a sustentabilidade. Jaden Smith, filho do ator Will Smith, esteve em Lisboa para falar sobre a Just Water, a empresa que criou com o pai quando tinha apenas 11 anos de idade, cujo objetivo reside na distribuição de água com o menor impacto ambiental possível.

“Nós somos água e vimos da água. Quando tinha seis anos e vi uma garrafa a flutuar no mar, senti que tinha uma ligação grande com a água. Na altura, o meu professor de surf explicou-me que havia toneladas de plástico no oceano”, recordou o jovem empreendedor.

Além de ter sido o autor de uma das intervenções mais esperadas, Jaden Smith foi também o protagonista de um dos momentos mais caricatos do dia: a música tocava bem alto, tal cena de final de discurso na cerimónia dos Óscares. O filho de Will Smith continuava a falar, mas o momento acabou por se tornar de tal forma constrangedor que, acompanhado pelas pessoas com quem partilhava o painel, saiu do palco sem ter a hipótese de se despedir da assistência.

 

Lisboa, uma cidade aberta

Os tempos áureos são sempre uma boa muleta para usar neste tipo de situações: no ano passado, António Costa fez questão de lembrar Fernão de Magalhães; este ano, Pedro Siza Vieira recordou os 500 anos da primeira circum-navegação e os feitos alcançados pelos portugueses ao longo de cinco séculos.

“A tecnologia vai mudar tudo e, como vemos, poderão ser criados alguns problemas com os quais teremos de lidar. Mas vão surgir coisas novas. No século XV, Lisboa era uma capital que trazia valor para toda a humanidade. Queremos continuar a construir o que temos construído nos últimos 500 anos”, afirmou o ministro da Economia.

Para encerrar o primeiro dia, Fernando Medina convidou os mais de 70 mil tech geeks a conhecerem Lisboa: “espero que tenham o tempo para conhecer melhor a cidade, para explorarem as ruas, a história, a cultura. Somos uma cidade aberta. Um dos melhores exemplos disso é a Web Summit”, disse o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

“Em Lisboa vão encontrar uma cidade aberta, tolerante, onde toda a gente se sente em casa”, acrescentou.

Recorde-se que a Web Summit arrancou esta segunda-feira em instalações “provisórias”. A autarquia anunciou antes do arranque que as negociações para a ampliação do espaço onde se realiza o evento tecnológico foram retomadas. Tal como o i noticiou, este impasse esteve relacionado com as contrapartidas financeiras envolvidas na negociação. Para a edição deste ano, a câmara desembolsou 4,7 milhões de euros, além dos três milhões pagos anualmente para a realização do evento.

Antes do arranque da edição de 2019, Pedro Siza Vieira disse que é esperado um retorno financeiro de cerca de 180 milhões de euros.

“O que é importante é podermos mostrar que Portugal é um sítio que sabe acolher bem visitantes de todo o mundo – este ano a Web Summit terá participantes de cerca de 160 países –, e que é um sítio onde se podem fazer negócios”, sendo esperado um retorno na ordem dos 180 milhões de euros, explicou o ministro da Economia, em declarações à SIC Notícias. “Portugal tem tido muito sucesso a atrair não apenas investimentos, mas também a receber empreendedores e profissionais que aqui querem viver e trabalhar”, acrescentou.

 

Novo recorde

Antes do arranque oficial, a organização da Web Summit revelou que a edição de 2019 fica já marcada por um recorde: há cada vez mais mulheres a participarem nesta cimeira tecnológica. “O evento vai receber 70.469 participantes de 163 países, com um grande número de visitantes vindos do Reino Unido, Alemanha, Brasil, Estados Unidos, entre outros”, refere a organização, citada pela agência Lusa. “Este ano a paridade de género também superou todas as edições da Web Summit, com 46,3% de participantes mulheres”, acrescenta.

Esta quarta edição vai contar com 1206 oradores, que irão intervir em 22 palcos distribuídos pelo recinto, com transmissões online. A Web Summit realiza-se em Lisboa desde 2016 e irá manter-se na capital portuguesa até 2028.