Marquês. A herança de que Sócrates nunca falou porque não tinha lido a acusação

Marquês. A herança de que Sócrates nunca falou porque não tinha lido a acusação


Ex-primeiro-ministro terá revelado ontem em tribunal uma herança de cinco milhões de euros que nunca havia falado. Mas não haverá documentos que o comprovem


Ao quinto dia de interrogatório, José Sócrates chegou mais falador, garantindo aos jornalistas que estavam à porta do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que não quer “deixar pedra sobre pedra” e assegurando que foi alvo de uma acusação “monstruosa”.

Dentro da sala do tribunal esperava-o uma bateria de perguntas sobre o património do amigo Carlos Santos Silva, a origem desse dinheiro e os montantes que acabaram na esfera do ex-governante. E, segundo o CM, José Sócrates terá surpreendido todos na sala, quando revelou uma suposta herança de um milhão de contos (cinco milhões de euros) recebida pela mãe com a morte do seu pai – versão que até hoje nunca havia sido dada. Para sustentar a tese, Sócrates não terá, porém, apresentado qualquer documento e explicou que só agora falou de tal dinheiro uma vez que até agora nunca tinha lido a acusação. Segundo o mesmo jornal, o ex-primeiro-ministro justificou tal decisão com o facto de não querer perder a espontaneidade no interrogatório que aconteceu ao longo dos últimos dias.

Acusação que José Sócrates tem criticado de forma ostensiva desde que o despacho foi deduzido, em 2017 – recorde-se que nesse mesmo ano José Sócrates fez diversos vídeos no YouTube em que tentava com a sua versão desmontar toda a acusação. Num deles, publicado a 22 de novembro, referia: “[A acusação] é toda baseada em truques, com números e numa evidente manipulação da realidade”.

Quanto à versão da herança apresentada ontem, ao que o i apurou, a mesma não terá respaldo em qualquer documento: ou seja, não constará na habilitação de herdeiros, nem na relação de bens comunicada à Autoridade Tributária após a morte do seu avô.

Ontem, às questões de Ivo Rosa terá ainda dito desconhecer a origem da fortuna de Carlos Santos Silva, assim como a razão pela qual Ricardo Salgado lhe transferiu dinheiro.

Ivo Rosa apreende telemóveis a advogados

O juiz que conduz a instrução do caso Marquês, Ivo Rosa, determinou ontem a apreensão dos telemóveis dos advogados para evitar que houvesse fugas de informação, blindando ainda mais o que se passa dentro da sala. 

Recorde-se que o magistrado proibiu já os assistentes que são jornalistas de profissão de estarem presentes na sala, mesmo depois de a Relação de Lisboa ter considerado que os assistentes têm o direito de estar presentes. 

O novo bate-boca entre Sócrates e Rosário Teixeira

O procurador que liderou a investigação a José Sócrates reforçou ontem à entrada do TCIC que a acusação do caso Marquês “é técnica” e que “está suportada”.

Pouco antes, às 13h30, o ex-primeiro-ministro havia afirmado aos jornalistas que a acusação do caso Marquês é “monstruosa” e “injusta”. Confrontado com estas declarações, Rosário Teixeira, que chegou já perto das 14h àquele tribunal, preferiu não comentar: “É a opinião dele [Sócrates], não tenho nada a comentar”.

Recorde-se que ontem José Sócrates fez várias considerações antes de entrar para o tribunal: “A única coisa que tenho a dizer é que venho para este interrogatório com o mesmo espírito do primeiro dia, com vontade de repor a verdade. Para que desta acusação não fique pedra sobre pedra. É uma acusação monstruosa, injusta e a absurda”.

Caso Marquês

O Ministério Público, através do departamento que investiga a criminalidade mais complexa – o DCIAP -, acusou 28 arguidos, 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas, no âmbito da designada Operação Marquês, em 2017. José Sócrates está acusado de crimes de corrupção passiva de titular de cargo político (três crimes), branqueamento de capitais (16 crimes), falsificação de documento (nove crimes) e fraude fiscal qualificada (três crimes). A instrução é uma fase facultativa cuja abertura é pedida pelos arguidos e na qual um juiz de instrução, neste caso Ivo Rosa, decide se há ou não indícios suficientes para se avançar para julgamento, como defende a acusação.