Um por todos e todos por um: as resistências a antibióticos

Um por todos e todos por um: as resistências a antibióticos


A resistência a antibióticos é uma ameaça à saúde das populações que requer ações efetivas de todos os setores (desde a sociedade civil aos Governos), juntos num esforço global.


Um dos assuntos que atualmente despertam mais preocupação, tanto entre a comunidade científica como entre os profissionais de saúde e o público em geral, é a resistência a antibióticos. São de todos conhecidos os casos recentes de encerramento de unidades hospitalares devido ao aparecimento de bactérias multirresistentes. Este número tem vindo a aumentar, tornando-se uma rotina que cai no esquecimento coletivo.

A resistência a antibióticos é uma ameaça à saúde das populações que requer ações efetivas de todos os setores (desde a sociedade civil aos Governos), juntos num esforço global. Um dos objetivos da abordagem “One Health” da Organização Mundial da Saúde é a mitigação da resistência a antibióticos a nível global através da implementação de programas, políticas, legislação e investigação, nos quais múltiplos setores de atividade trabalham e comunicam por forma a melhorar a vida das populações.

O problema das resistências vai, no entanto, muito além do infindável número de contaminações hospitalares que dificultam o sucesso de cirurgias e de tratamentos anticancerígenos e do incómodo provocado pelo encerramento de unidades hospitalares. É um problema que irá causar um aumento dos custos económicos, associados não só aos encerramentos de alas hospitalares, mas também ao aumento nos tempos de internamento, devido a uma recuperação mais lenta de infeções, e à utilização de antibióticos mais específicos e, consequentemente, mais caros. Dados da OCDE demonstram que a este ritmo, e até 2050, 1,1 biliões de euros sejam gastos, em média, por ano na União Europeia devido a problemas associados à resistência a antibióticos. Em Portugal, este número será bem superior, rondando os 4 biliões de euros por ano.

No entanto, a resistência a antibióticos é muito mais do que problemas económicos e de saúde. Existe também um grave problema ambiental provocado por mais esta “epidemia do séc. xxi”. A resistência a antibióticos ocorre ao longo do tempo, geralmente através de alterações genéticas nas bactérias provocadas pelo contacto destas com antibióticos em doses subletais, por contacto entre bactérias resistentes com bactérias sem esta capacidade ou por contacto com bacteriófagos, vírus que atacam bactérias, portadores da resistência. Podemos mesmo afirmar que desde que o primeiro antibiótico foi lançado no mercado, em 1910 (de seu nome Sarvasan ou agente 606), começaram a desenvolver-se resistências a antibióticos. Este problema, está, no entanto, a desenvolver-se de forma exponencial e descontrolada. Os famosos resíduos de antibióticos disseminados no ambiente, bem como as próprias bactérias com resistências – sendo, inicialmente, apenas um problema hospitalar – são cada vez mais comuns. Os tratamentos aplicados às águas residuais e às águas para consumo humano permitem, ainda assim, uma remoção elevada de bactérias com resistências a antibióticos, obviando assim à sua presença massiva no ambiente. Além disso, um elevado investimento científico e económico está a ser efetuado por forma a encontrar soluções rápidas e eficazes para a remoção de resíduos de antibióticos nas águas.

Contudo, podemos ser levados a pensar que este é mais um flagelo dos denominados “países desenvolvidos”. Dados da Organização Mundial da Saúde referentes a 2018 indicam que os países que mais antibióticos consumiram a nível mundial são a Mongólia e o Irão (de notar a ausência de dados de China e Índia, considerados grandes consumidores). Em países considerados “menos desenvolvidos”, com rendimentos per capita muito baixos, os antibióticos representam custos elevados para as famílias, que por sua vez se viram para a compra destes medicamentos no mercado negro, que vendem produtos adulterados com dosagens subletais. Estes produtos não só não cumprem a sua função, não tratando as infeções, como causam o aparecimento de novas resistências nas bactérias. Por mais que os países ditos desenvolvidos tentem controlar este grave problema, enquanto se mantiverem os baixos níveis de saneamento em países menos desenvolvidos, conjugados com o consumo desregrado de antibióticos nestes países, será impossível a erradicação global desta “epidemia”. Devemos, sim, compreender que uma melhoria das condições socioeconómicas destes países tem um impacto direto na nossa saúde e bem-estar.

No entanto, nem tudo são más notícias. Temos de pensar nos antibióticos como um dos maiores avanços científicos e médicos de sempre, com um impacto positivo na vida de todos nós, como o tratamento de doenças até há pouco tempo tidas como incuráveis e um aumento da esperança de vida.

Numa época de conjuntura global bastante complicada, em que os países se estão a tornar mais fechados, é claramente necessária uma abordagem global de entreajuda para enfrentar e mitigar esta ameaça, de forma a melhorar a vida da população global. Na realidade, somos uma aldeia global!

 

silvia.monteiro@tecnico.ulisboa.pt;

ricardosantos@tecnico.ulisboa.pt