O universo político nacional sofreu uma profunda alteração por força do acordo político que nasceu em 2015, protagonizado por PS, PCP e BE, o qual ainda hoje se proclama como uma descomunal proeza e, porventura com justeza, a maior transformação estrutural que o regime conheceu. É um facto notório, ainda que inconfessável pelos beneficiários, que os ventos internacionais tremendamente favoráveis, o programa do BCE e os seus efeitos nos juros da dívida público e o trabalho “ sujo” do Governo que teve de lidar com as brutais consequências da bancarrota e encetou um caminho de recuperação no emprego e no desempenho da economia foram pressupostos à luz dos quais se têm de avaliar os resultados obtidos. Resultados aquém, que representam uma oportunidade esbanjada. Todavia, são estorvos menores para observadores mais desatentos e, compreensivelmente, para cidadãos cujas vidas tenham sido irreparavelmente marcadas por esses tempos de turbulência e desespero, os tempos da troika. Nunca se impôs – e esse é um erro não apenas de um espaço político, mas da nossa sociedade – a delimitação entre a causa e a consequência. E essa é a maior derrota para o país. O muro caiu e essa derrocada inaugurou uma nova fase. Com ou sem acordos escritos, com proclamações mais ou menos enfáticas, esse momento fundador descerrou um quadro de entendimentos que dispensa hoje qualquer ato formal. PS, PCP e BE, Livre e PAN – este à condição – têm a responsabilidade de assegurar as condições de governabilidade. Foi isto que ardentemente desejaram, foi sob este ângulo que se apresentaram aos eleitores e desenharam as traves mestras do que seria a sua intervenção nesta legislatura. Ora, aos demais cabe a construção da alternativa – em particular ao PSD – e o escrutínio exigente das opções dessa maioria, por muitas formas e disfarces que, no decurso dos tempos, ela venha a revestir. O espaço para compaginar uma austeridade encapotada e fustigar os serviços essenciais com a devolução de rendimentos e a redistribuição findou. O Presidente da República assinalou bem. Recursos escassos impõem opções. E opções representam custos de popularidade que quem governa ou apoia sempre rejeitou suportar.
Costa tem razão numa coisa. A confrontação de projetos alternativos é importante. Torna a democracia mais plural, projeta visões distintas e opções filosoficamente irreconciliáveis. Não é mau, é bom. Leva-me a sustentar que quem deseje que a sua visão da sociedade prospere terá de ter maiorias que extravasem o seu espaço político e que, de algum modo, vinguem na sociedade, para que não sejam derrotados por um novo capítulo.
A sociedade está a mudar a um ritmo vertiginoso. A robótica e a transformação digital projetam-se no mercado de trabalho, no investimento, na educação, na estruturação identitária e no mundo global que as novas gerações abraçam como um desafio apaixonante. O local, agora, é o mundo. São muitas transformações para quem concebe uma lógica de exercício do poder fundada em equilíbrios débeis, uma visão atávica do panorama político e um ardente desejo de cultivar instrumentalmente os pequenos poderes, não desejando ou não podendo ambicionar qualquer transformação em linha com o futuro. O programa de Governo – mas sobretudo a ação – o comprovará. Viverá, calculo, em prisão perpétua.
Boa sorte a quem desempenha funções governativas. Creio que, em regra, devemos reconhecê-los, pois estamos num tempo em que vilipendiar quem exerce cargos políticos é o caminho mais fácil para o alastrar do vírus da desconfiança e para afastar os melhores da vida pública.
Deputado