Não é fácil colocar por palavras o que se passou no palco do LUX Frágil esta quinta feira, 17 de outubro. Será talvez mais simples com um jogo de imaginação. Imaginemos três britânicos a bordo de uma nave espacial e que, por acaso, esses astronautas são dotados de uma avançada técnica musical (o que fariam estes prodígios musicais no espaço? Talvez fossem dar lições a Marte). Imaginemos agora que acabaram de receber a notícia que a sua nave se vai despenhar dentro de duas horas. E que, nas horas que lhes restam, decidem organizar uma última grande festa.
É assim que os Comet is Coming interpretam o seu jazz: como se a sua vida dependesse disso.
King Shabaka, uma autêntica força da natureza, sopra o seu saxofone tenor linhas musicais que, ora despertam uma energia primordial da audiência com danças e saltos efusivos, ora partem para momentos íntimos que permitem que os fãs fechem os olhos, relaxem e apreciem o momento.
Danalogue, o homem dos sintetizadores, é um autêntico louco em transe com a sua própria interpretação e reprodução de efeitos electrónicos e experimentais. Não está sozinho, o público está com ele no seu transe.
Na bateria, Betamax tem a inglória (mas bem sucedida) tarefa de ser o relógio suíço que permite que os seus dois colegas de banda brilhem e explorem o lado mais experimental e livre do seu jazz. Lá para o fim receberá a luz do holofote para um incrível solo a celebrar o seu sacrifício.
Este trio britânico surge no seio da nova onda jazz londrina, que conta com conjuntos como Ezra Collective, Sons of Kemet (de qual Shabaka também faz parte) ou Nubya Garcia (conjuntos que atuaram este ano em Portugal, destacando a sua presença nos festivais portugueses: os primeiros no Super Bock Super Rock e os restantes no NOS Primavera Sound), e em que diversas e ecléticas bandas exploram um lado mais experimental e físico deste género musical, mesclando-o com influências de hip-hop ou de rock psicadélico. O que pretendem, no fundo, é tornar o jazz uma celebração e uma grande festa.
Foi exatamente isso que aconteceu no LUX Frágil. O clube nocturno vestiu-se de clube de jazz por uma noite. Ao subir as escadas da sala de espectáculos, deparámo-nos com um DJ set cuja set list girava em torno deste género musical. Ora sentadas ora em pé, as pessoas encontravam-se espalhadas a conversar enquanto bebiam copos de vinho ou fumavam um cigarro.
Mas este não era um clube de jazz regular. O encontro de gerações era notável. Jovens utilizavam os seus telemóveis para mais tarde recordar o momento — havia quem empunhasse até um sapo de peluche ao ritmo das músicas — misturavam-se com uma faixa etária mais avançada, com ar de quem possui uma primeira edição do Kind of Blue, de Miles Davis.
O próprio jazz não é aquele que se espera encontrar no Hot Clube. A fusão de estilos, desde o space rock, afrobeat, krautrock ou até mesmo o (inesperado) techno, cria este som tão característico e surpreendente dos Comet is Coming, uma banda que não só respeita os seus antecessores (Sun Ra, Alice Coltrane ou Pharoah Sanders) mas que olha para o futuro sem medo de experimentar e inovar.
Por vezes o som é uma tempestade energética, especialmente nas faixas do primeiro álbum que lançaram este ano, Trust in The Lifeforce of the Deep Mystery, como Summon The Fire ou Super Zodiac, e às vezes descende para um puro caos, quando a eletrónica de Danalogue parte para BPMs alucinantes que muito bem poderiam fazer parte de um set de techno de uma noite “normal” do LUX. No entanto, o trio escolhe despedir-se do público com uma faixa quase etérea. Calmo e contemplativo. Se o concerto de Comet is Coming foi uma nave que se estava a despenhar a alta velocidade, o seu final foi de um grupo de homens que encontrou a paz.
*Texto editado por Cláudia Sobral