Há diversas razões para se chamar à Taça de Portugal a prova rainha do futebol nacional. A maior das quais, ainda assim, dever-se-á ao facto de permitir a existência de embates altamente improváveis noutras circunstâncias, com equipas de escalões inferiores, com historial mais ou menos rico, a ter oportunidades únicas de defrontar os chamados ‘grandes’ do país.
Pois bem: para a terceira ronda desta edição da prova (a primeira com equipas da I Liga), o sorteio reservou viagens de Benfica à Cova da Piedade (três encontros prévios, todos há mais de 30 anos, sempre nesta competição e sempre com goleada encarnada) e FC Porto ao Coimbrões, este um duelo absolutamente inédito. Ainda assim, os corações dos apaixonados pelo futebol luso terão batido de forma mais entusiasmada quando viram o adversário do Sporting: o detentor da Taça irá ao Ribatejo para visitar o reduto do Alverca, em encontro que se realiza já esta noite, na abertura da ronda.
Não foram muitas as épocas em que o Alverca esteve no primeiro escalão do futebol português: cinco no total, entre 1998 e 2004 (uma despromoção pelo meio). Ainda assim, vários duelos com os leões ficaram marcados no imaginário dos adeptos, e particularmente em jogos realizados no Ribatejo, onde o Sporting saiu derrotado três anos consecutivos: 3-2 em 98/99, com hat-trick de Nandinho, 2-1 em 99/00 e 3-1 em 2000/01, num jogo em que um muito jovem Pedro Mantorras aterrorizou o setor defensivo leonino, liderado por Peter Schmeichel. Mas também em Alvalade houve surpresa: em 2001/02, logo à terceira jornada, o Alverca venceu por 1-0, com golo do argentino Zárate, no que era a segunda derrota consecutiva do Sporting de Laszlo Boloni – depois chegou Jardel… e o resto é história.
A Ultima Dobradinha E essa história também envolve o Alverca. Essa foi a última vez que os leões puderam celebrar a conquista de uma dobradinha, mas mesmo no percurso até à vitória final na Taça de Portugal tiveram de ultrapassar um Alverca muito duro de roer: o embate no Ribatejo, a contar para os oitavos-de-final, terminou empatado a zero, obrigando a segundo jogo, agora em Alvalade, de acordo com os regulamentos da altura. E mesmo aí o conjunto alverquense esteve em vantagem durante grande parte do encontro, mercê do golo de Zeferino logo aos 11 minutos; João Vieira Pinto acabaria por empatar aos 76’ e Jardel, de penálti, consumaria a reviravolta a quatro minutos dos 90.
Os últimos embates entre os dois conjuntos aconteceram em 2003/04, a derradeira época do Alverca no escalão maior. Na jornada 9, o Sporting, então orientado por Fernando Santos, foi ao Ribatejo vencer por 2-1, com golos de Rochemback e Liedson; uma volta depois, em Alvalade, os leões somariam novo triunfo, então por 2-0, com mais um golo de Liedson a fechar o marcador que havia sido inaugurado por Carlos Martins.
Um Leão no Ribatejo Hoje, os tempos são outros. O Sporting continua a ser o mesmo – para o bem e para o mal; o Alverca, por seu lado, passou vários anos de travessia no deserto – o futebol sénior chegou a ser extinto em 2005, sendo reativo no ano seguinte com a equipa a recomeçar a partir da terceira divisão distrital – e tenta agora voltar à alta-roda do futebol nacional. Com uma ajuda de peso: a SAD, formada há menos de um ano, com a liderança do empresário brasileiro Ricardo Vicintin e que conta com Artur Moraes, antigo guarda-redes de Braga, Benfica e Aves, como vice-presidente.
“É incomparável a realidade dos dois clubes. Cabe-nos mostrar aquilo que tem sido o nosso trabalho diário”, referiu o ex-guardião na antevisão ao encontro. Vasco Matos, formado no Sporting, é agora o treinador do Alverca e acredita mesmo que os leões têm mais conhecimento sobre a equipa ribatejana do que o oposto: “Neste período de paragem, de certeza que o Silas tentou implementar as ideias dele e nós não tivemos possibilidade de visualizar algum jogo”.
Ainda assim, o antigo extremo/lateral, que aos 39 anos orienta a segunda equipa na carreira como treinador, depois de duas épocas ao comando do vizinho Vilafranquense, garante que a sua equipa estará preparada para o que aí vem e deixa um alerta: “Não é por jogarmos contra o Sporting que vamos mudar a nossa forma de trabalhar. Percebemos obviamente que vamos defrontar uma equipa muito forte e vamos ter algumas cautelas, mas acho que vamos conseguir ter muita bola e criar alguns momentos de aflição no Sporting. Queremos ganhar o jogo”.
O Alverca, de resto, chega a este encontro com a motivação em alta. A competir na Série D do Campeonato de Portugal (terceiro escalão nacional), o clube ribatejano vem de um empate em Loures (1-1), que acabou ainda assim por ser benéfico: aproveitando a derrota do Louletano frente ao vizinho Armacenenses (3-1), o Alverca subiu ao segundo lugar, com 17 pontos em sete jogos – só o Olhanense, com mais um ponto, está melhor.
O objetivo da subida é assumido sem medos, depois de uma época 2018/19 (a de regresso aos nacionais) que começou de forma muito complicada, com o espetro da descida a estar bem presente durante os primeiros meses da prova – ao fim de 17 jornadas, somava duas vitórias, quatro empates e 11 derrotas. A partir do momento em que a nova SAD tomou posse, todavia, tudo mudou: foram 11 vitórias, cinco empates e apenas uma derrota na segunda volta, que permitiram terminar o campeonato (então na Série C) num tranquilo sétimo posto.
Alverca “tem dinâmica de vitória” O Sporting, já se sabe, navega em mares ‘ligeiramente’ mais agitados. Ainda assim, o emblema leonino parece ter ganho mais tranquilidade e confiança com a chegada de Silas ao comando técnico da equipa, depois da saída de Marcel Keizer e do período de transição pouco conseguido sob o comando de Leonel Pontes: em dois jogos, dois triunfos (0-1 em casa do Aves, para a sétima ronda do campeonato, e 2-1 ao LASK Linz, da Áustria, na segunda jornada da fase de grupos da Liga Europa).
De qualquer forma, os leões partem para o embate com o Alverca com a certeza de que será preciso ter muita atenção para não dar azo ao surgimento de qualquer dissabor inesperado. “É relevante dizer que o Alverca é uma equipa complicada, bem trabalhada. Apesar de ter empatado no último jogo, vem com uma dinâmica de vitórias grande, sabe o que faz e é indiferente se joga no Campeonato de Portugal, na II Liga ou na I Liga”, realçava ontem Emanuel Ferro, adjunto de Silas.
Devem, ainda assim, esperar-se bastantes mudanças na equipa leonina em relação aos últimos encontros, tanto pelo caráter desta partida como pelo facto de o Sporting ter já daqui a uma semana um jogo importantíssimo na Noruega, diante do Rosenborg, tendo em vista a continuidade na Liga Europa. Se os escolhidos por Silas irão interpretar no campo a estratégia defendida pela equipa técnica, é preciso esperar por esta noite para descobrir.