Não deixa de ser muito curiosa – ainda que em nada surpreendente – a recente resolução em que o Parlamento Europeu, certamente desalinhado com as nossas convicções internas e os ecos das leituras das nossas eleições legislativas, tomou uma posição largamente maioritária sobre um dos importantes mitos da pós-verdade destes dias politicamente correctos.
É muito provável, senão mesmo certo, que, na essência, os costumados imbecis insuflados da sua soberba iluminada de bastiões morais da democracia e do progressismo democrático continuarão, de forma tão desabrida como ignorante e nada autocrítica, a acusar todos os que não partilhem do seu higienizado e monolítico pensamento único de fascistas e/ou nazis.
Por alguma razão difícil de perceber por estas bandas, onde o preâmbulo da Constituição diz muito sobre a ideologia do regime, a extrema-esquerda marxista, leninista, trotskista, comunista, etc. andou durante anos a invocar uma (improvável) superioridade moral das suas ideias e referências relativamente aos que, na sua própria e normalmente pouco isenta visão, sempre apelidarão de fascistas.
A intelligentsia do burgo reage com horror à eleição de deputados que dizem ser de extrema-direita porque acriticamente repete as punch lines da extrema-esquerda esganiçada ou gaga, mas ignora, cúmplice e venerandamente, os horrores por detrás dos regimes que estes apoiantes do socialismo real apoiam, que incluem das grandes fomes do Holodomor aos massacres dos khmers vermelhos, com mais de 100 milhões de mortos em genocídios de 1917 a 1953, contra cerca dos seis milhões mortos pelos nazis, e contra quem as esquerdas tanto bramam pese a óbvia (ainda que indesculpável) desproporção aritmética.
É do foro do ridículo mais profundo termos novos partidos da extrema-esquerda comunista que, anos após a independência das colónias, num país que integrou um primeiro-ministro goês, uma ministra da Justiça angolana, vários deputados das colónias e, agora, uma deputada guineense, permita entrar-se numa discussão séria sobre Portugal e as ex-colónias e as condições dos seus naturais sem se discutir os efeitos das ditaduras marxistas-leninistas que por aí proliferaram de seguida – é que, de 1976 até aqui, já passaram mais de 40 anos de democracia e de independências!
Será possível que a culpa esteja sempre noutro lado? As elites marxistas-leninistas que criaram os novos bilionários da áfrica subsariana que o PCP, por exemplo, normalmente admira, acumularam fortunas pornográficas sobre um cenário de pobreza infinita que mantiveram e sublimaram, mas, por alguma razão, pessoas que não ficaram nos seus países a gozar da excelência desses modelos políticos da economia planificada permitem-se receitar aos restantes habitantes dos seus países de acolhimento o que não quiseram tomar para si nos seus próprios.
É próprio desta ideia do socialismo este fanatismo da distribuição igualitária da miséria e, por cá, há muito que o romantismo fanático aliado à doutrinação generalizada criou a ideia do virtuosismo do socialismo real e da sua panaceia, bem como manteve vivo o mito da sua superioridade moral e ética.
No mundo real, porém, e mais próximo das fronteiras das Albânias, do Muro de Berlim e da Primavera de Praga, a proximidade não romanceada nem doutrinária tem uma visão muito mais objectiva da realidade.
E a verdade é que o Parlamento Europeu, cuja tendência para embarcar em fenómenos da pós-verdade a espaços se manifesta, foi absolutamente lapidar, como dá nota o Observador em notícia de 15 de Outubro, ao votar a resolução “Importance of European remembrance for the future of Europe”, que contou com 535 votos a favor, 66 contra e 52 abstenções.
É um mundo onde grassa a desinformação que os 40 e tal anos no caminho para o socialismo nos dão como legado e branqueiam a importância dos acordos feitos entre a Rússia comunista e a Alemanha nazi sobre a partilha da Europa, segundo o pacto de não agressão de 23 de Agosto de 1939 (pacto Molotov-Ribbentrop), que evidencia a responsabilidade partilhada de soviéticos/comunistas e nazis na eclosão da ii Guerra Mundial e seus horrores, e o inicial pacto dos comunistas com os nazis para este efeito, que por cá se esqueceu ou fez esquecer…
As conclusões da recomendação do PE deveriam, pela clareza, ser de leitura obrigatória para corrigir a iliteracia histórica, que por cá se promove, do virtuosismo do comunismo em oposição às monstruosidades do nazismo.
Por lapidares, repetiria os pontos seguintes da recomendação do Parlamento Europeu de 19 de Setembro de 2019:
“3. Recorda que os regimes nazi e comunista são responsáveis por massacres, pelo genocídio, por deportações, pela perda de vidas humanas e pela privação da liberdade no século XX, numa escala nunca vista na história da humanidade, e relembra o hediondo crime do Holocausto perpetrado pelo regime nazi; condena veementemente os atos de agressão, os crimes contra a humanidade e as violações em massa dos direitos humanos perpetrados pelos regimes nazi e comunista e por outros regimes totalitários;
(…) 6. Condena todas as manifestações e a propagação de ideologias totalitárias, tais como o nazismo e o estalinismo, na União;
(…) 10. Apela a uma cultura comum da memória que rejeite os crimes dos regimes fascista e estalinista e de outros regimes totalitários e autoritários do passado como forma de promover a resiliência contra as ameaças modernas à democracia, em particular entre a geração mais jovem; encoraja os Estados-membros a promoverem, através da corrente cultural dominante, o ensino da diversidade da nossa sociedade e da nossa história comum, incluindo o ensino das atrocidades da ii Guerra Mundial, como o Holocausto, e a desumanização sistemática das suas vítimas ao longo de vários anos;”
Evidencia-se, assim, a absoluta inconsistência da propalada superioridade moral das extremas-esquerdas de matriz marxista-leninista soviética que inflamam, em cega devoção aos seus mentores ideológicos e amnésica negação dos rios de sangue e fome, os programas ideológicos do PCP, do Bloco ou do Livre.
E, porventura, perante este alinhamento de espectros feito pelo PE e, sem surpresa, sem grande eco por cá, que não o acima referido, parece claro que, atendendo à matriz ideológica de base, um partido assumidamente de direita democrática, não nazi, tem mais lugar numa casa da democracia que os revisionistas actuais dos insucessos (sem nenhum caso de sucesso) do socialismo real que por cá pululam e pretendem passar despercebidos.
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990