Garcia de Orta precisa de nove pediatras

Garcia de Orta precisa de nove pediatras


Dificuldades em assegurar escalas mantêm-se. Ordem dos Médicos vai dar conhecimento das necessidades à tutela e a Marcelo Rebelo de Sousa e escreve carta aos diretores clínicos.


Depois dos alertas sobre as dificuldades nas urgências das maternidades da área de Lisboa, por falta de obstetras e anestesiologistas, é a urgência pediátrica do Hospital Garcia de Orta, em Almada, a dar sinais de rutura. As dificuldades em assegurar os turnos na urgência mantêm-se e a urgência externa tornou a encerrar na última noite, depois de ter estado fechada na madrugada de domingo.

Desde abril, o serviço perdeu quatro pediatras e só tem quatro médicos para fazer urgência noturna, revelou ao i o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. Neste momento, a urgência de pediatria conta com nove assistentes hospitalares, mas uma está de licença de maternidade, dois têm mais de 50 anos (estão dispensados de urgência noturna) e dois têm mais de 55 anos, idade a partir da qual podem deixar de fazer urgência mas, neste caso, mantêm a atividade durante o dia. Para assegurar o funcionamento normal, com equipas de quatro elementos – no mínimo, dois especialistas –, seriam necessários mais nove pediatras, adianta o bastonário, não havendo indicação de quando serão contratados. Se os fechos são situações limite, as equipas estão a trabalhar abaixo dos mínimos há meses, alerta Miguel Guimarães, que diz estar em causa a segurança clínica e dos profissionais num hospital que dá resposta a 300 mil utentes e atende, em média, 150 crianças por dia.

“Têm assegurado muitas urgências só com dois médicos, um especialista e um interno de segundo ou terceiro ano, o que não é de todo desejável. Isso significa que as pessoas que recorrem à urgência esperam mais tempo, o que para algumas pode não ter implicações clínicas, mas para outras terá. Além disso, é uma pressão enorme sobre os médicos, sobretudo quando temos um interno que poderá precisar de ajuda do próximo especialista”.

A situação levou a ordem a escrever à tutela e à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Miguel Guimarães adianta que será dado também conhecimento ao Presidente da República que, no fim de semana, disse que a saúde é “uma das prioridades sensíveis” para os portugueses e mostrou expectativa em torno do próximo Orçamento. No que diz respeito à falta de recursos humanos, Miguel Guimarães fala de um problema crescente em diferentes serviços. A ordem estima que sejam necessários 5 mil médicos no SNS para garantir as equipas tipo, respeitando os descansos dos clínicos e dos internos e para que exista um menor recurso a horas extra e tarefeiros – em 2018, os médicos fizeram perto de 6 milhões de horas suplementares, com especialidades que fazem mais do dobro das 150 horas extra previstas por lei.

A preocupação aumenta com a aproximação do período de inverno e epidemia da gripe, em que é expectável um aumento da procura nos hospitais. “Estamos a gerir este problema no Garcia de Orta, mas continuamos a receber notas de dificuldades noutros hospitais do país, por exemplo do Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa e do Algarve. Quando temos dificuldade na área programada, as listas de espera aumentam. Nas urgências, o problema é mais imediato porque as pessoas têm problemas que precisam de ser atendidos naquele momento. As dificuldades do SNS fazem-se sentir de forma mais aguda”.

O i procurou esclarecimentos junto do Garcia de Orta sobre contratações, mas não teve resposta. A administração anunciou que o serviço estaria encerrado de novo até às 8h30 desta terça. Segundo o i apurou, durante todo o dia de ontem tentou encontrar-se uma alternativa ao fecho, inclusive o recurso a médicos externos ao SNS.

 

Responsabilidades

Miguel Guimarães anunciou ontem que vai ser enviada uma carta aos diretores clínicos a alertar para a importância de respeitarem a constituição das equipas, para evitar que as instituições cheguem a pontos limite. A ordem vai também criar uma nova declaração de escusa de responsabilidade com que pretende responsabilizar o poder político e as administrações por falta de meios. “Quando há problemas e erros, as responsabilidades são imputadas aos médicos. Más políticas de saúde também devem ser penalizadas, nomeadamente a nível jurídico. Não podemos continuar a desvalorizar as responsabilidades de um hospital que devia ter x médicos, não os tem e obriga os médicos a fazer um trabalho sobre-humano e em condições em que a probabilidade de erro é maior”.

O bastonário sublinha que o problema de base é a falta de um plano para valorizar a remuneração do trabalho no SNS e competir com a concorrência, o condicionamento da gestão nos hospitais e a falta de verbas. “Não é possível continuarmos a ter um orçamento cujo valor per capita é menos de metade daquilo que é a média dos países da UE. Não acredito que países como Alemanha, Bélgica, Espanha estejam a deitar dinheiro fora. Ou estão a fazê-lo ou nós temos desvalorizado a saúde dos portugueses. O primeiro-ministro disse que o SNS ia ser a joia da coroa da próxima legislatura. Esperamos que seja, com reforço do orçamento e uma política de contratação diferente e que permita renovar o SNS em termos tecnológicos, o que também leva os profissionais a sair”.