O dia 15 de outubro de 2019 irá ficar para sempre marcado na história do desporto coreano. A partir das 9h30 portuguesas de hoje (17h30 locais), Coreia do Norte e Coreia do Sul irão defrontar-se em Pyongyang, na terceira jornada da primeira fase de grupos de apuramento para o Mundial 2022, na que será a primeira partida oficial de sempre entre os países vizinhos (e rivais) em solo norte-coreano.
Até hoje, só por uma vez, em 1990, a Coreia do Norte recebeu a Coreia do Sul. Essa partida – a única da História em que os nortenhos venceram (2-1) –, porém, era de caráter particular; desde então, sempre que os sorteios asiáticos ditam encontros entre os dois países, o jogo que deveria realizar-se em Pyongyang é invariavelmente transferido para outro país, como China, Singapura, Kuwait ou Catar. Da última vez que tal aconteceu, na fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2010 (o único em que os norte-coreanos marcaram presença), o jogo teve de ser realizado em Xangai, dado que a Coreia do Norte não autorizou a reprodução do hino sul-coreano antes do apito inicial e o hastear da respetiva bandeira no seu território.
A relação entre os dois países tem sido muito tensa desde que a península ficou dividida, após a Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. O diferendo terminou com um armistício e sem um tratado de paz entre Pyongyang e Seul, pelo que, tecnicamente, os dois países ficaram em guerra desde então. Dentro deste quadro, o desporto tem sido um dos poucos motivos de apaziguamento: em 1991, por exemplo, as duas Coreias uniram-se para disputar o Mundial de sub-20, realizado em Portugal, e no ano passado, uma delegação unificada participou nos Jogos Olímpicos de Inverno organizados em Pyeongchang (Coreia do Sul), marchando sob uma única bandeira na cerimónia de abertura. Os dois países demonstraram igualmente interesse numa candidatura conjunta para a organização do Mundial de futebol feminino de 2023.
Sem transmissão nem reportagem Esse aparente aproximar de relações, todavia, parece ter sofrido um retrocesso nos últimos meses, nomeadamente depois do fim abrupto da cimeira de Hanói (Vietname), em fevereiro deste ano, com os Governos liderados por Kim Jong-un e Donald Trump a atingir um impasse nas conversações para a desnuclearização do regime de Pyongyang.
De acordo com a agência noticiosa AFP, a Coreia do Norte terá apenas comunicado com a Confederação Asiática de Futebol tendo em conta todos os pormenores de organização da partida, ignorando a congénere do Sul. Questionado sobre o tema, um porta-voz da FIFA limitou-se a garantir ter estado em contacto com as duas federações e manifestou a esperança de que o jogo possa contribuir para uma aproximação entre os dois países.
Apesar da posição manifestada pelo organismo que rege o futebol mundial, não parece haver grande vontade de Pyongyang de promover essa aproximação. O regime norte-coreano, por exemplo, não deu qualquer resposta às três televisões sul-coreanas que fizeram um pedido oficial para transmitir o encontro em direto (KBS, MBC e SBS) e nenhum repórter sul-coreano foi autorizado a viajar para a capital da Coreia do Norte – muito menos, adeptos. A própria comitiva da seleção sul-coreana, liderada desde agosto do ano passado por Paulo Bento (antigo internacional e selecionador português), foi obrigada a fazer escala em Pequim, depois de ver recusado o pedido para viajar diretamente de Seul para Pyongyang.
Espera-se, portanto, um cenário hostil para a equipa que viaja do Sul e que procura isolar-se na liderança do grupo H, depois de duas vitórias em igual número de partidas disputadas pelas duas seleções (a Coreia do Sul foi ao Turquemenistão vencer por 2-0 e na última quinta-feira goleou o Sri Lanca por 8-0, enquanto a vizinha do Norte recebeu e venceu o Líbano por 2-0 na estreia, triunfando depois com um magro 0-1 no Sri Lanca).
Em termos históricos, o favoritismo pende claramente para a Coreia do Sul: a atual 37.a classificada do ranking mundial venceu nove dos 18 encontros realizados, sobrando oito empates e a já referida vitória da Coreia do Norte (hoje, a ocupar apenas o lugar 113 na hierarquia da FIFA) em 1990.