1. Marcelo Rebelo de Sousa tem um sentido único de espetáculo. É inigualável: não há equivalente ou sequer aproximado em Portugal. O Presidente Marcelo é o verdadeiro líder do “greatest show on Earth” (um remake português do filme homónimo de 1952 e da sua versão recente, protagonizada por Hugh Jackman), que é o circo da política portuguesa. A entrevista do Presidente da República ao Alta Definição da SIC – e o destaque que esta mereceu em jornais políticos ditos de referência – mostra que Marcelo Rebelo de Sousa é o pioneiro do political reality show. A SIC, em tempos idos, tinha um reality show que se designava Bar da TV, produzido por Ediberto Lima – hoje, nós assistimos ao vivo e a cores, a toda a hora, à “Presidência da República TV”. Não sabemos o que Marcelo pensa sobre o futuro político do país, mas sabemos dizer, sem hesitações, quantos iogurtes Marcelo come ao pequeno-almoço todos os dias. Desconhecemos o que Marcelo realmente antevê sobre a evolução da economia portuguesa; todavia, já memorizámos as atividades pós-jantar de Marcelo (caminha quatro quilómetros, trabalha mais um pouco, vê os comentários desportivos na televisão…). Ainda não ficámos, enfim, esclarecidos sobre aquilo que Marcelo efetivamente sabia sobre Tancos e como qualifica a atitude titubeante de António Costa sobre a referida matéria; todavia, sabemos que Marcelo nada de forma tão rápida que até os russos o perdem de vista. Seria, aliás, curioso contar quantas entrevistas Marcelo já deu a revistas cor-de-rosa e a programas de entretenimento sobre a sua vida e sobre os sacrifícios que faz por ser Presidente da República – e comparar com o número de entrevistas que aceitou dar aos média, exclusiva ou principalmente, de política. É a estratégia marcelista: focar a mensagem em si, no boneco que criou na TVI, e evitar ao máximo falar da Presidência da República, na sua aceção mais institucional e política. Porquê? Fácil: porque a primeira opção (sendo Marcelo uma pop star há já duas décadas) será sempre mais popular e fácil que a segunda.
2. O brilhantismo mediático de Marcelo é tão evidente quanto a sua recandidatura presidencial. Deixemo-nos de conversa fiada e de rodeios: no sábado, os olhos de Marcelo disseram claramente a Daniel Oliveira e a todos os portugueses que vai ser candidato presidencial em 2021 – e que quer muito ganhar. Aliás, foi muito curiosa a confissão de Rebelo de Sousa de que a primeira indicação que deu aos seus assessores, em 2016, foi para trabalharem como se estivessem numa campanha eleitoral de cinco anos. Agora fica tudo mais claro: a estratégia de Marcelo foi sempre a de transformar o primeiro mandato numa pré-campanha eleitoral permanente que lhe permitisse alargar o seu espaço político natural e entrar na história como o Presidente mais votado da nossa democracia. Com esta estratégia, por outro lado, Marcelo já praticamente bloqueou o surgimento de um candidato alternativo credível, quer no espaço do PS, quer no espaço do centro-direita: isto porque quem viesse estaria sempre em inferioridade, na medida em que Marcelo tem usado a Presidência e o poder para fazer uma pré-campanha eleitoral de anos, como – reiteramos – o próprio confessou.
3. Esta confissão marcelista tem um enorme significado, até para compreender a atuação presidencial face ao contexto político que vivemos. É porque Marcelo é recandidato que irá jogar com António Costa, não poupando esforços para aguentar o PS no poder até 2022. Daí que tenha afirmado publicamente que não exigiria acordo escrito para uma nova geringonça – ao mesmo tempo que, nos bastidores, Marcelo manobrou, nos últimos dias, para convencer o PS a não formalizar casamento com o BE e acabar com a geringonça. Por outra banda, Marcelo – já a pensar no seu segundo mandato – está empenhadíssimo na luta interna no PSD. O Palácio de Belém já garantiu o seu patrocínio à candidatura de Luís Montenegro para a liderança do PPD/PSD – figuras próximas de Montenegro (e o próprio) já receberam o contacto de Marcelo que, segundo apurámos, aconselhou o ex-líder parlamentar de Pedro Passos Coelho a não acelerar prazos. Em termos claros: Marcelo ordenou a Montenegro que esperasse pelas diretas de janeiro, desse apenas duas ou três entrevistas – e, sobretudo, que se resguardasse. O essencial era sinalizar a sua candidatura, marcar presença, delimitar o seu território, criar uma estrutura sustentada, trabalhar o aparelho – e, enfim, ganhar em janeiro. Os “novíssimos marcelíssimos” (como lhes chama um amigo comum, nosso e de Marcelo) como Miguel Relvas, o ex-diretor de campanha de Rebelo de Sousa e Luís Marques Mendes já estão a cem por cento com Luís Montenegro.
4. Duas razões explicam o empenho de Marcelo na candidatura de Montenegro: primeiro, uma questão de simpatia pessoal e admiração (quase irracional) que Marcelo nutre por Montenegro e, inversamente, de antipatia pessoal por Rui Rio; segundo, Marcelo já traçou o fim de António Costa como primeiro-ministro na segunda metade da presente legislatura – ora, aí haverá um período de transição de uma fase de coabitação presidencial (isto é, de relacionamento entre um Governo, uma maioria parlamentar e um Presidente da República de partidos distintos) para uma fase de coexistência (isto é, de relacionamento entre um Governo e um Presidente da República oriundos do mesmo espaço político). Ora, Marcelo Rebelo de Sousa sabe que, em períodos de coexistência, o Presidente da República assume uma preponderância política decisiva quando é uma figura carismática, mais talentosa e popular que o primeiro-ministro. Como Marcelo é mais carismático e popular que Montenegro – e Montenegro é um admirador incondicional de Marcelo –, o Presidente da República tornar-se-á também primeiro-ministro de facto. Luís Montenegro será uma espécie de ministro do super-ministro-Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Em suma: manter António Costa no poder, no máximo, mais dois anos; eleger Luís Montenegro como líder do PPD/PSD; esperar pelo momento mais adequado para Montenegro ganhar as eleições legislativas com alguma folga em relação ao PS; tornar-se o primeiro-ministro de facto, transformando o seu carisma e a popularidade que tem capitalizado nos últimos anos em ativismo político liderante efetivo – eis o verdadeiro end game de Marcelo Rebelo de Sousa. O resto é ruído e ocupação do espaço mediático (expressão que Marcelo adora!).
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Escreve à terça-feira