112. “As pessoas já não ligam só a pedir ambulâncias, ligam a pedir apoio psicológico”

112. “As pessoas já não ligam só a pedir ambulâncias, ligam a pedir apoio psicológico”


O Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) começou a funcionar no INEM em 2004. Em 2018, os psicólogos do INEM atenderam 20 951 chamadas e acreditam que estão a chegar a cada vez mais pessoas. Alterações emocionais como crises de ansiedade, comportamentos suicidários e morte inesperada de familiares são as situações mais…


Não há um dia típico, diz Joana Anjos. É uma das psicólogas do INEM e está no Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) desde a sua fundação, em 2004 – um trabalho intenso em que, além de apoio telefónico, fazem saídas para o terreno. O sofrimento psicológico e o inesperado fazem parte do quotidiano e a missão é estabilizar sintomas e mostrar que existe ajuda. Cada turno tem quatro horas e trabalham depois os casos em equipa. No ano passado atenderam uma média de 57 chamadas por dia, direcionadas pelos CODU (Centros de Orientação de Doentes Urgentes) ou pela Linha Saúde 24 – uma subida de 33,5% face ao ano anterior. Deram origem a 7833 intervenções. A UMIPE, a Unidade Móvel de Intervenção Psicológica de Emergência, foi ativada 757 vezes, com uma média de duas saídas diárias.

Mais do que um aumento nas situações de crise, a psicóloga explica que a leitura que fazem dos dados é que cada vez têm sido chamados a intervir em mais casos. A equipa foi reforçada com mais dois psicólogos, para 18 elementos, e nas horas de maior pico, entre as 11 da manhã e as 23, passou a haver dois psicólogos por turno, explica Joana Anjos, o que permitiu a transferência de mais chamadas para esta valência do INEM. “Houve um aumento da nossa capacidade de resposta e também somos cada vez mais solicitados quer por colegas no terreno quer pelas autoridades. Há uns anos, a autoridade não sabia que poderia contactar-nos numa situação mais intensa e, hoje, isso é mais comum”. E é também a população que procura apoio psicológico, numa situação de crise e, por exemplo, perante a morte de um familiar. “As pessoas já não ligam para o 112 só a pedir ambulâncias, ligam para pedir este apoio”.

Alterações comportamentais/emocionais e comportamentos suicidários são as situações mais comuns no histórico de operações do CAPIC. O balanço do INEM sobre o funcionamento da unidade em 2018 revela que, no ano passado, a equipa registou 4074 ocorrências relacionadas com alterações de comportamento, em que se destacam crises de ansiedade e quadros de psicopatologia agudizada, em que há, por exemplo, descompensação de doenças mentais graves. Foram mais 645 chamadas do que no ano anterior e uma média de 11 atendimentos por dia.

Seguem-se os pedidos de ajuda perante comportamentos suicidários. Em 2018 foram registados pelo CAPIC 2576 casos, mais 667 do que no ano anterior, numa média de sete ocorrências por dia. Na maioria das vezes eram quadros de ideação e intenção suicida, mas a equipa interveio também em 455 tentativas de suicídio – algumas, situações de risco iminente -, mais 127 casos do que no ano anterior. Houve 79 intervenções para negociação de aceitação de ajuda. 

“Muitas vezes surge associado à ideação suicida o sentimento de que aquele sofrimento é para sempre”, diz Joana Anjos. “A nossa preocupação é mostrar que existe ajuda, psicológica, psiquiátrica, ajuda médica, é uma mensagem muito importante”.

A assistência em casos de morte inesperada de familiar ou conhecido é outra das áreas que se têm tornado mais comuns na atuação do CAPIC, com 834 intervenções em 2018, mais 307 do que no ano anterior. São situações de acidentes de viação, violência ou doença súbita, em que ajudam no luto e, por vezes, na forma como é comunicada a morte, auxiliando as forças de segurança responsáveis pela notificação.

Um pedido de ajuda, uma janela de oportunidade Além da resposta de emergência, o encaminhamento dado a cada caso, seja na ponte com os serviços de saúde ou com a assistência social, é outra das preocupações do serviço. Joana Anjos salienta que por vezes poderão faltar respostas ao nível dos cuidados de saúde mental mas, noutras situações, essa resposta nunca tinha sido procurada. E o momento de crise, ou em que se pede ajuda pela primeira vez, é a porta de entrada no sistema de saúde. 

A psicóloga acredita que mais sensibilização e informação sobre os serviços disponíveis poderia ajudar a prevenir a evolução de alguns quadros, mas reconhece que, muitas vezes, só no limite é que as pessoas pedem ajuda. E se o reforço da prevenção e sensibilização a montante é possível, o encaminhamento de cada caso a partir do primeiro contacto é também importante, tendo por isso chamadas de follow-up. “As crises, por vezes, são o momento de oportunidade, e aí, sim, é importante haver capacidade de resposta no SNS”, reforça.

Também o CAPIC tem espaço para crescer: com mais recursos seria possível analisar os registos e identificar fenómenos que pudessem justificar outro tipo de intervenção. E neste momento há três UMIPE nas diferentes delegações regionais, mas não há equipa suficiente para manter as quatro viaturas ativas 24 horas por dia, o que implica ponderar a melhor resposta quando a unidade móvel está distante da ocorrência. “A nossa preocupação é a intervenção rápida e perceber o que é mais benéfico para cada pessoa e família: quando é necessária a deslocação numa maior distância, podemos ir, mas tentamos primeiro ver se existe outra forma de haver uma assistência mais imediata, articulando, por exemplo, com o hospital mais próximo”.

Nos 15 anos do CAPIC cabem muitas histórias de vida, um trabalho que marca os próprios profissionais e nunca deixa de ser exigente, partilha Joana Anjos – um sentimento comum no INEM. “Como profissionais, é uma experiência muito rica na medida em que estamos com as pessoas na crise, é diferente de ouvir uma descrição em consulta. A nível pessoal, também nos muda. Faz-nos valorizar mais cada momento”.