1. É verdade que o PS ganhou as eleições. Mas também é um facto que António Costa ficou aquém da maioria absoluta que desejava sem o explicitar. A grande ambição ficou longe, porque os portugueses votaram judiciosamente para não lhe dar essa benesse. Votaram estrategicamente para evitar o que não queriam mesmo, ainda que pulverizando o espetro parlamentar. Realmente, os nossos eleitores deixaram de gostar de maiorias absolutas, o que se percebe depois de Sócrates, do qual Costa foi número dois bastante tempo. A segunda ambição do PS era depender de um pequeno partido apenas (designadamente, o PAN ou o Livre) e também não foi concretizada. Em síntese, Costa ganhou, mas não vai ter vida fácil num Parlamento que passa a ter dez partidos (PS, PSD, BE, PCP, CDS, PAN, Chega, IL e Livre, isto contando com o PEV como entidade autónoma). António Costa está, assim, na mão de muita gente e também não conseguiu que a esquerda tivesse dois terços dos deputados, o que seria essencial para certas eleições e matérias constitucionais. Dois terços, só com o PSD.
2. Desde hoje, António Costa procura formalmente uma solução que dificilmente será uma geringonça renovada e alargada, assente num acordo como o que existiu na legislatura que agora termina. A Costa poderia interessar muito um papel assinado, mas o PCP parece recusar, o que significa que passará a pressionar mais nas ruas e nos movimentos sociais, onde tem uma força ímpar, condicionando a estabilidade da economia. O mais provável é o líder socialista ter de conformar-se com uma espécie de limiano de vários queijos, com acordos pontuais aqui e ali. O problema é que assim, por mais que tenha qualidades negociais, Costa tanto pode aguentar quatro anos como cair ao virar da esquina. António Costa é hábil, mas Guterres era ainda mais e faltava-lhe apenas um deputado para a maioria, o que não evitou que caísse numa madrugada depois de umas autárquicas que, curiosamente, são eleições muitas vezes arrasadoras para as lideranças, como se viu com o atual secretário-geral da ONU, com Balsemão e, mais recentemente, com Passos Coelho.
3. As legislativas deram ao PSD um resultado honroso e acima das previsões. O PSD passou da humilhação das autárquicas (com menos de 20%) para um score baixo nas europeias e, agora, para um patamar que muitos julgavam até impossível. Rui Rio ganhou o debate a Costa, fez uma campanha aguerrida e constituiu um capital político, segurando o eleitorado nuclear. Obviamente, sentiu sociologicamente um embate negativo no extrato de população que não esquece os tempos da troika e que, sobretudo, não se lembra que só houve bancarrota porque existiram Sócrates e Teixeira dos Santos, que arruinaram o país. A memória é curta e a política não é feita de gratidão eleitoral. O PSD agitou-se com o resultado e o líder entrou em ponderação, dando, porém, sinais de que deve ir à luta. Uma balcanização do PSD iria descredibilizá-lo de imediato. Reagir a quente não é bom para a imagem de um partido que tem muita gente de qualidade. Há um congresso ordinário em janeiro e haverá diretas para a liderança. Portugal está primeiro e, muito rapidamente, há que discutir um programa de Governo e um Orçamento do Estado, o que não vai ser fácil. O Parlamento é o centro da vida democrática, o país não para e há que tratar dele, num contexto europeu e mundial altamente complexo. Prova disso está na rapidez com o Presidente Marcelo desenvolveu os contactos pós-eleitorais.
4. O sinal mais preocupante das eleições foi a abstenção. Houve, desde logo, inaceitáveis falhas de organização que, por incompetência, impediram muitos de votar, nomeadamente emigrantes no Reino Unido. No mínimo, alguém tem de ser demitido por incompetência ou boicote propositado. Mas a questão vai muito para além disso. Quarenta e cinco por cento de abstencionistas é um número arrepiante. Não houve apelo do Presidente Marcelo que desagravasse a situação. A abstenção a este nível não é desinteresse apenas de quem foi para a praia ou passear filhos ou netos. É a expressão de gente que se sente traída por uma sociedade que a ignora e não a protege. Ilustra uma situação em que as notícias negativas se sucedem, mostrando um país em desarticulação e cheio de problemas. Uma nação onde se verifica a incúria da Segurança Social, a falta de apoios na velhice e na saúde, a existência de um sistemático subemprego, uma paralisação dos serviços do Estado, um desprestígio das Forças Armadas, uma justiça ineficaz e uma rapina do fisco. Mas isso deveria, pelo contrário, incentivar à participação. Quem se absteve voluntariamente perde o direito de reclamar e de exigir. Um dia teremos de encarar este problema de frente. Alguém não votar e depois querer que o Estado lhe dê rendimentos, pensões e apoios é um contrassenso. Muito mais respeito merecem os que, não se revendo em nenhuma das 21 opções apresentadas, optaram por votar branco ou nulo. Para esses, chapeau!
5. Quanto aos pequenos partidos que elegeram deputados (os que ficaram de fora não contam para nada), há que estar atento à evolução de cada um. O Parlamento é um palco a partir do qual uma estratégia mediático-política pode ser desenvolvida com sucesso, como se viu com o PAN, que aproveitou a proximidade dos média e a simpatia dos jornalistas para passar a mensagem. Claro que também podem desaparecer ou integrar-se num partido maior, como sucedeu há uns anos com UEDS, ASDI e por aí fora. Os próximos anos dirão se a Iniciativa Liberal é mais do que uma ação de marketing, se o Chega é um movimento em crescendo ou se o Livre apenas vive na bolsa marsupial do PS.
Escreve à quarta-feira